Recentemente
li um livro de um cientista político francês que me chamou muito atenção.
Trata-se do título O Estado Espetáculo,
de autoria de Roger-Gérard Schwartzenberg. No mesmo, ele defende a tese de que
a política “outrora era idéias, agora são
pessoas”, ou melhor, personagens; que os políticos atuam como atores de
teatro, representando papéis com vistas a conquistar os
“eleitores/espectadores” por meio da “ilusão”. Enquanto isso, nos bastidores, o
“verdadeiro poder” é concentrado nas mãos das elites econômicas, culturais e
políticas.
Não pretendo discutir esse livro do
ponto de vista teórico-metodológico, pelo menos não nesse artigo. Lembro dele,
e fiz questão de iniciar essas linhas citando-o, toda vez que vejo o horário
eleitoral gratuito ou que leio alguma coisa nos jornais. Embora Schwartzenberg
reflita, sobretudo, em torno dos países europeus e dos Estados Unidos, não tem
como não pensar na teatralização da política para analisar a conjuntura
eleitoral brasileira na contemporaneidade.
Representar, encenar bem, convencer,
sensibilizar o eleitor, aparecer bem na foto (e no vídeo), pontuar bem nas
pesquisas, se sair bem nos debates... Eis algumas das preocupações vitais dos
diversos candidatos em tempos hipermodernos. É preciso ter um bom marqueteiro e,
conseqüentemente, uma agência de publicidade conceituada. Essa “indústria do
espetáculo” comporta profissionais encarregados de zelar pela imagem dos
candidatos. Eles calculam, minimamente, a apresentação do ator político, desde
os discursos até suas aparições públicas. Nessa lógica, deve-se evitar qualquer
deslize, qualquer azedume que os tornem indigeríveis.
Enquanto as maiores preocupações se
direcionam na construção de um imaginário que legitime as candidaturas e os
candidatos, o teor dos discursos fica muito a dever à sociedade. O horário
eleitoral é prova disso. Salvas as devidas exceções, a maioria dos candidatos
afirmam algo que já se tornou jargão: “vou
trabalhar em prol da educação, saúde, segurança pública e emprego”, mas não
diz como vai fazer. Quando falam de educação, por exemplo, prometem o óbvio: “pagar o funcionalismo em dia, fornecer
material didático, vagas na Educação Básica e formação continuada de
professores”; sequer falam de uma política salarial justa para o magistério
e das condições qualitativas do ensino e da escola pública. Outros exemplos
estão aí para demonstrar, no meu ponto de vista, que não há muita diferença
ideológica partidária e que, em verdade, as promessas vagas de sempre se
universalizam perante os vários partidos.
Desse modo, não há como não concluir
que o que vemos hoje é uma forte personalização da política. Algo, inclusive,
estrutural, pois remonta os tempos da colônia. Os partidos são apenas siglas
que proporcionam aos candidatos oficializarem candidaturas, fazerem alianças e
utilizarem o tempo para propaganda no rádio e TV. Muda-se de partido como se
muda de roupa. Quando não se muda de partido, se muda a aliança. O cenário
paraibano é riquíssimo desses exemplos. Daniela Ribeiro em 2008 era candidata a
vice-prefeita de Campina Grande na chapa com Rômulo Gouveia, e em 2010 foi candidata a deputada estadual apoiando
José Maranhão para governador. Ricardo Coutinho em 2004 subiu ao palanque de
José Maranhão e em 2008 assegurou apoio desse à sua candidatura a prefeito da
capital, em 2010 foi candidato ao governo da Paraíba, contra José Maranhão e
com o apoio de Cássio Cunha Lima e Rômulo Gouveia. Armando Abílio que até um
dia desses jurava amores a Cássio em 2010 pediu votos para Maranhão. Isso para
nem falar dos inúmeros prefeitos que em 2004 apoiaram Cássio e que em 2010
passaram para Maranhão. Realmente, parece mais difícil montar um texto retórico
que explique essas alianças e esses pulos de galhos do que mesmo elaborar um
programa de governo inovador, estruturante e original.
Mais personalismos. Agora a tão
visível e também histórica política familiar. As oligarquias colam no Estado e
não querem largar. Quando suas candidaturas estão ameaçadas em um cargo mais
duvidoso de vitória e/ou mais concorrido, lá vêm às tradições inventadas em
nome de uma simbologia e de uma memória política apropriada. É o caso de Nilda
Gondim que cola na imagem do seu pai, o ex-governador Pedro Gondim e de seu
esposo, ex-deputado federal e tribuno Vital do Rêgo. A propósito, essa família
não dispensa os usos da imagem do velho Veneziano Vital, cujo centenário foi
motivo de escrita memorial e exposição em outddores
pela cidade. É o caso de Eva Gouveia, candidata a deputada para resguardar a
vaga de seu esposo Rômulo na Câmara Federal. Enivaldo Ribeiro pede votos para
seus dois filhos de uma vez só. Marcus Odilon projeta em seu filho Quinto o
mesmo. Marcondes Gadelha também pede votos para seu filho Leonardo Gadelha.
Walter Brito em eleição passada candidatou seu neto, agora em 2010, estão em
lados distintos concorrendo à vaga para deputado federal; porém, Walter Neto
fez questão de retirar o sobrenome Brito de sua propaganda.
Enfim,
candidatam a mãe, a esposa, o irmão, o filho, o neto... A parentela no poder,
conforme assinalou Linda Lewin para a Primeira República, está longe de ser
algo superado na cultura política paraibana.
Mais a vida real é diferente do que
é apresentado cenicamente. Atrás das cortinas está uma outra face da política,
ocultada propositalmente. A cultura da corrupção que o diga. Lobistas,
superfaturamento de obras, fraudes em licitações, homem com dinheiro dentro da
cueca, mensalões... Além de grandes salários para “representar o povo”, o povo
representado é assaltado pelos seus representantes; o dinheiro público tem sido
desviado em proveito de interesses privados. Vai não vai, surge na mídia,
denúncia de aumento incomensurável de patrimônio de alguns governantes. Essas
elites políticas cujos filhos não estudam na escola pública nem são atendidos
em hospitais do SUS ou postos do PSF. Que não largam a política em benefício da
reprodução do capital, seu ou de seus verdadeiros representantes: as elites
econômicas que não estão diretamente ocupando cargos políticos.
Na vida real tem gente passando
fome, desempregado, subempregado, morando em condições precárias. Esse é o
contraste com o palco todo iluminado, incensado e adereçado da política. Isso
que afirmo não é nenhuma novidade. Muito já se escreveu sobre isso, e já se
falou também. Hoje parece “fora de moda”, “risível”, inclusive. Em plena
Globalização e Sociedade de Consumo, no bojo da crise do Socialismo Real, pode
soar, para muitos, como discurso “ultrapassado” pelas marcas do tempo daqueles
que um dia sonharam com a revolução. Penso que, ao reavaliarmos o “breve século
XX” é necessário auto-criticarmos os caminhos traçados pelas revoluções ditas
de esquerda. Entretanto, não é invertendo o jogo que as coisas ficariam
melhores e mais coerentes. Ao denunciar o modelo soviético não deveria
corresponder a valorização do modelo capitalista. Se vivemos uma crise de
futuro não podemos deixar de criticar o excesso de presentismo. Por isso, dizer
que tem desigualdade social não é discurso do passado apenas; pode ser que não
tenha o mesmo significado de quarenta anos atrás, mais ainda é válido dizer.
Quem dera fosse tema gasto pelo tempo, só assim, talvez, pudéssemos dizer,
comemorando, na medida em que alguma coisa tivesse sido feita para sanar o
problema.
Para finalizar, gostaria de abordar
o efeito Lula e as apropriações eleitorais realizadas pelos candidatos no que
concerne a fabricação de um imaginário que o ligue ao então presidente. Tenho
brincado com meus amigos e alunos que a única pessoa ultimamente que menos tem
colado em Lula é sua esposa, D. Mariza. Indiscutivelmente, a sua popularidade é
constatável. Aqui não quero entrar nos meandros da discussão, uma vez que na
constitui objeto dessas linhas.
Não vi nem ouvi um candidato sequer
na Paraíba criticar Lula. É Lula pra lá, Lula pra cá... Dilma pra lá, Dilma pra
cá. Inclusive os candidatos do PSDB, se não bajulam tanto, pelo menos silenciam
a crítica. Ricardo Coutinho, aproveitando o apoio que o PSB oferecera a Dilma
no plano nacional, aparece o tempo todo insistindo que está com Lula e com
Dilma. Inclusive questionou Maranhão no debate sobre desde quando este votou em
Lula. Maranhão, além de dizer o tempo todo que é amigo pessoal de Lula, ainda
contou com a fala do presidente da República pedindo votos para ele no guia
eleitoral. Vitalzinho dizia o tempo todo que era o senador de Lula, de Zé para
depois ser senador da Paraíba. Wilson Santiago vai na mesma lógica. E Lula na
sua fala diz que “quando Dilma for
presidenta vai precisar de senadores que apóiem seus projetos...”, no que
cabe indagar: senadores que não dêem trabalho e aprove o que o Executivo
quiser?
Pelas estradas, nas fazendas, casas,
ruas, do litoral ao sertão: foi preciso dizer que estava com Lula e apoiava
Dilma. Esse marketing foi a bola da vez. Os candidatos apostaram na
transferência mecânica de votos permeada pela imagem da dupla do PT. E pensar
que em 1989, muitos desses fugiam e combatiam a candidatura de Lula
classificada, inescrupulosamente, pelos adjetivos de “baderneiro, grevista e
arruaceiro”. Mas é tentador escrever que para isso Lula também mudou, e muito.
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