Prof. Dr. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)
A
busca pela diversidade cultural vem ganhando espaço no território do Cariri
Paraibano. E a bola da vez é a questão da homoafetividade, que tem movimentado opiniões
de internautas por ocasião da publicação, no site De olho no Cariri,
da realização da 1ª parada gay, no município do Congo, durante o carnaval de
2012. Os comentários na rede foram unânimes em expressar repúdio e
preconceitos, justificando suas opiniões a partir de um referencial religioso.
Em tais discursos de oposição, argumenta-se que a realização da parada gay
traria “maldição” para a cidade, pois é uma “blasfêmia contra Deus” e, por
isso, cobram atitudes por parte das autoridades religiosas.
Isso
me fez intervir no assunto, entrar no debate escrevendo esse artigo com base
historiográfica e com sentido político de cidadania cultural. Sendo assim, é
preciso recorrer ao passado fazendo uma genealogia de valores e comportamentos
que foram construídos, socioculturalmente, mas que no imaginário de muitas
pessoas aparecem como naturais e/ou sobrenaturais. Sem querer ir ao mundo
clássico greco-romano, no qual a relação entre dois homens ou duas mulheres
tinha significados relacionados a uma Paidéia,
prefiro recortar esse texto tomando como marco a chamada Idade Média ocidental,
tempos de feudalismo e de hegemonia do cristianismo. Essa volta ao passado para
entender o presente é um dos grandes valores prestados pela a História, a
ciência dos homens e mulheres no tempo, conforme assinalou o grande Marc Bloch.
Por
que sair do Cariri de hoje para a Idade Média de ontem? No meu ponto de vista,
para compreender as permanências de visões de mundo elaboradas na longa duração
braudeliana, embora nunca possamos perder de vista as descontinuidades
históricas, uma vez que muito já mudou no tocante ao debate sobre gênero e
sexualidade.
Na
Europa Medieval quem governava de fato eram os nobres senhores feudais
(latifundiários) e os membros do clero Católico. Além de explorar os servos
camponeses, cobrando um imenso número de tributos em espécie ou em trabalho, os
mandatários também definiam as regras e normas de comportamento social. E
definiam usando o nome de Deus. O sexo sem procriação era considerado pecado
mortal contra a natureza, por isso a “homossexualidade” (na época chamava-se
sodomia) era prática condenada, inclusive a pena de morte. O historiador
inglês, Richard Jeffrey, nos mostra como a Bíblia condena a anti-norma em carta
escrita por São Paulo aos coríntios, aos romanos e a Timóteo: “Ou não sabeis que os injustos não
herdarão o reino de Deus? Não nos enganeis: nem fornicadores, nem idólatras,
nem adúlteros, nem efeminados... Herdarão o reino de Deus”.
E assim os primeiros padres foram construindo uma representação de pecado para
a identidade “homossexual”, embora a sodomia e a prostituição também fossem
vivenciadas por membros da Igreja. Na época, havia uma associação entre
“homossexualidade”, heresia, lepra e o diabo, todos adjetivados como símbolo do
“mal” e, por isso, longe de Deus e da salvação. Às vezes, a sodomia também era
relacionada a dilúvio, peste, fome e catástrofes naturais.
São
Tomás de Aquino elaborou na Summa
Theologiae (1266) um tratamento mais sistemático sobre a “homossexualidade”
condenando-a por não conduzir à procriação. Concordava com Santo Agostinho que
era o “pior” pecado contra a natureza, pois violava a ordem natural
estabelecida por Deus. O Concílio
de Nablus (1120) estabeleceu que o adulto sodomita deveria ser queimado
pelas autoridades bem como deveriam, os sodomitas, serem afastados da sociedade
assim como “o lixo é retirado da casa, de
modo a que não as infecte, os depravados devem ser afastados do comércio humano
pela prisão ou pela morte”. (Richard Jeffrey). Sendo pecado, pela ideologia
cristã, deveria ser destruído de maneira que, julgados pela Inquisição, podiam
ter penas que variavam desde penitências até a morte na fogueira.
Sem
aprofundar mais a discussão, percebe-se que a construção de representações de
pecado e “anormalidade” para as práticas “homossexuais” foram elaboradas por
pessoas de carne e osso, membros de um clero que, em nome de Deus, proibiam,
vigiavam, censuravam, julgavam, castigavam e condenavam seres humanos.
Graças
aos movimentos sociais LGBT muito desse discurso tem mudado. A educação e o
currículo precisam descontruir essa visão pecaminosa construída na Idade Média
pela Igreja Católica, pois nos tempos Pós-Modernos é inconcebível que se
violente o Outro, física ou simbolicamente. É preciso pensar nas diferenças
para que evitemos discurso único a normatizar padrões de comportamentos e
excluir a diversidade, essa é uma lição de cidadania que precisa ser levada a
sério para uma educação no século XXI.
Se
não entendermos que os valores culturais são históricos, portanto, construções
humanas que podem ser desconstruídas, vai imperar uma ambiguidade
consubstanciada no discurso de “amai-vos uns aos outros”, desde que os Outros
sejam iguais a mim, senão acende-se, novamente, a fogueira da exclusão e o
mundo ficará pior.
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