Prof. Dr. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)
Quando
Ronaldo Cunha Lima e seu grupo inventou uma tradição megalomaníaca para Campina
Grande, não obstante, suas vinculações maiores estarem assentadas nas
preocupações mercadológicas, na indústria do turismo e na legitimação
ideológica do poder oligárquico de sua vasta parentela, o espaço significado
por eles como “PARQUE DO POVO”, ao menos não fazia muita distinção social no
tocante à recepção e circulação de pessoas sobre a área destinada para se
dançar forró no meio da rua.
Como
historiador, me sinto na obrigação de analisar a invenção das tradições a
partir do diálogo com a ideologia, portanto, trocando algumas ideias e buscando
inspirações na obra do grande Eric Hobsbawm no cotejo com seu livro A invenção das Tradições. Embora enfoque
no nome a dimensão universal/cosmopolita, o “MAIOR SÃO JOÃO DO MUNDO”, foi
inventado como tradição local, definidora de uma campinidade, uma identidade
construída por oposição a caruaruanidade, a disputarem no interior do Brasil
quem fazia a maior festa do planeta. O certo que o grupo Cunha Lima criou uma
festa política, um palco no qual não sobem apenas artistas da sanfona, mas
atores do poder. É verdade que nem sempre o teatro político garante a
hegemonia, pois às vezes as imagens luminosas são ofuscadas por vaias, como as
que Cássio golpista recebera em 2016 da boca de uma multidão no “PARQUE DO POVO”
que seu pai criou para sua família apenas triunfar. A criatura se rebelou
contra o criador, ao menos por algum momento. É verdade também que nem sempre a
continuidade do poder oligárquico por meio do espetáculo é assegurada, se assim
o fosse, Ronaldo não teria visto os Vital do Rego roubarem a cena, o palco e a
festa por 8 anos. Entretanto, a oligarquia Cunha Lima voltou à prefeitura de
Campina Grande e ao palco do “PARQUE DO POVO”, com Romero Rodrigues dando
continuidade a festa criada por Ronaldo Cunha Lima.
Acontece
que Romero continua e descontinua a festa. Muda para pior. Continua uma festa
política e mercadológica em sua essência, para alimentar a indústria do
turismo, a rede hoteleira, as empresas de bandas e o monopólio da AMBEV. Isso
mesmo: em pleno neoliberalismo, onde as elites econômicas e políticas festejam a
liberdade econômica, no “PARQUE DO POVO” impera o monopólio e você é obrigado a
tomar apenas cerveja Skol, conforme ouvi ontem à noite da boca de vários donos
de barracas. Segundo testemunho deles, esse protecionismo da prefeitura decorre
do fato de uma única marca ser a patrocinadora da festa, cerceando, assim, o
gosto do consumidor de cerveja que não tem escolha concreta a fazer até na hora
de beber uns goles. Manda quem tem dinheiro, portanto, a iniciativa privada.
Para
piorar a situação, a geografia simbólica do setor norte do “PARQUE DO POVO”, se
transformou na cara da nobreza. Ao centro da vasta área, colocaram um gigante
palco que, a meu ver, roubou espaço dos forrozeiros arrastarem o pé e ainda
dialoga para frente com a classe dominante que se hospeda, privilegiadamente,
em camarotes privados no parque que é público e cuja festa é custeada com recursos
públicos. Ao centro, a clássica pirâmide que, ao contrário dos suntuosos
túmulos faraônicos egípcios, abriga o “xerém” dos “desclassificados”, aos olhos
das elites, que fazem questão de se manterem à distância nos seus enclausurados
camarotes. No extremo sul, restam algumas barracas menos sofisticadas e um
palco, nitidamente, destinado para o tal “POVO”. E ainda sobraram dos tempos
mais antigos, a réplica da catedral e do famoso cabaré Eldorado, pelo menos
nesse lado de cá, ainda se pode rezar e trepar, ao menos simbolicamente na
imaginação.
Pois
bem, se foi embora os tempos de outrora. Sumiram as barracas de palha de coco
dos anos 1980, o grande número de ilhas de forro dos anos 1990 e até os
tradicionais forrozeiros nordestinos foram trocados por sertanejos e padres que
vivem a fazer verdadeiras missas cantadas no suposto laico “PARQUE DO POVO”.
Em
nome da lógica do privatismo, temo que até o “PARQUE DO POVO” se parta no meio
e a festa “maior do mundo” se transforme em duas, uma para pobres e outras para
ricos, em bairros diferentes. Em tempos de fascismos, não é de se espantar em
falar de segregacionismo.