quarta-feira, 22 de julho de 2015

“GALINHA PRETA” & “BANDEIRA LILÁS”

Prof. José Luciano de Queiroz Aires (UAH/UFCG)

O Comando Local de Greve da ADUFCG se reuniu com o reitor Edilson Amorim, na tarde do dia 21 de julho, para discutir os cortes orçamentários do MEC na educação pública federal e seus impactos concretos na Universidade Federal de Campina Grande. Durante a exposição do reitor, o historiador Luciano Mendonça de Lima fez um aparte denunciando algumas práticas de proselitismo religioso realizadas no âmbito da UFCG, ameaçando, assim, o caráter laico da referida instituição. Denúncia que eu me encarreguei de complementar quando afirmei ao reitor que durante as colações de grau, no auditório do Centro de Extensão José Faria Nóbrega, ocorrem “cultos ecumênicos” e que no site da UFCG havia sido publicado um artigo de um professor da instituição citando a Bíblia para fins de proselitismo e não de hermenêutica.
Durante o debate, dois professores usaram a palavra se pronunciando a respeito da questão religiosa no âmbito da universidade. E, para minha tristeza, foram duas falas infelizes as quais discordo e combato nesse texto.
Um deles, demonstrando mais preocupação com o consumo de maconha no interior da universidade do que com a questão da religião, acabou reiterando uma cultura preconceituosa para com as religiões de matriz afro-ameríndias ao dizer que não se importava, inclusive, com o fato de sacrificar “galinha preta”, sinalizando quanto a possibilidade de ter espaço para todas as religiões no interior da UFCG. Nesse caso, tenho uma dupla discordância. Primeiro, que a universidade não é espaço para nenhum tipo de culto religioso, mas para a discussão histórica, sociológica e antropológica das religiões. Sendo assim, ela pode cumprir um importante papel político que é o de conhecer para conviver com as diferenças, dentro e fora do âmbito acadêmico. Segundo, ao representar a Umbanda e o Candomblé, a partir do estereótipo da “galinha preta”, se reafirma a cultura histórica da desqualificação das práticas religiosas que sacrificam animais e, ainda, se acrescenta a dimensão racial da discriminação quando se afirma a cor da galinha sacrificada. Como um pouco conhecedor das religiões de matriz afro-ameríndias, no trânsito que sempre faço dos livros aos terreiros, gostaria de ressaltar que a dimensão de tais religiões está para além dos sacrifícios de “bode preto” e “galinha preta”, porque também se sacrifica “bode branco” e “galinha branca”. E os sacrifícios de animais são muito legítimos, se os lêssemos a partir da teia de significados, das quais no fala Clifford Geertz, tecidas na subjetividade dos seus praticantes e não na cabeça estranha que compara cultura a partir da sua identidade.
Ainda sobre essa questão, foi aventado, durante o debate, os “cuidados” que os gestores da UFCG devem ter no momento de tentar coibir os proselitismos religiosos, a fim de que os mesmos não possam ser acusados de intolerância religiosa. Esse tipo de fala acaba confundindo mais do que elucidando. Intolerância religiosa é não respeitar o Outro, dentro e fora da universidade. Proselitismo religioso é usar um espaço laico, público e diversificado, cuja missão é a produção do conhecimento, para fins de cultos, sejam eles quaisquer. Vou exemplificar a diferença. Arrancar o crucifixo de um estudante ou de um professor ou tomar de assalto sua Bíblia Sagrada que carrega na bolsa, são exemplos de intolerância religiosa. Proibir que professores rezem o Pai Nosso nas reuniões de Departamento, que se ostente imagens sagradas nos espaços da universidade ou que se professem ritos religiosos, são exemplos de proselitismo que devem ser combatidos e não de intolerância.
Outra confusão que gostaria de meter minha opinião se refere aos discursos que afirmam que, como historiadores ou cientistas sociais, não devemos fazer críticas às religiões, pois estaríamos incorrendo na tal da intolerância religiosa. Mais uma vez, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Escarrar em um crucifixo é diferente de dizer que o catolicismo atuou, ideologicamente, na sustentação da escravidão no Brasil ou foi o bastão do feudalismo clássico, conforme nos mostra Georges Duby; abrir a mala do som de um carro e botar para tocar no mais alto volume à frente da casa de seu vizinho que está realizando um culto evangélico é diferente de dizer que o luteranismo foi a ética que deu sustentação ao Capitalismo, conforme nos mostra o sociólogo Max Weber. Não confundamos alho com bugalho. As religiões, enquanto instituições, não estão imunes a dimensão crítica do conhecimento e isso alguns historiadores se esquecem de levar a cabo, preferindo doutrinar seus alunos, da escola básica ao ensino superior, empurrando goela abaixo um discurso único. É a historicidade das religiões que devemos conhecer e socializar no ensino de História, e não transformar a sala de aula em templo e a aula de História em pregação. E disso, os historiadores-religiosos devem ter consciência a fim de que possam fazer um distanciamento da sua crença em nome da ideia de que são os homens e mulheres que fazem a História e de que ao adentrar a sala de aula encontrará uma turma de alunos bastante diversificada.
Voltando ao assunto da reunião com o reitor e o debate que se configurou em torno dessa temática, gostaria de dialogar com o outro professor. Menos incomodado com a maconha, pareceu mais preocupado com o fato de “bandeira lilás” hasteada sobre a universidade, numa alusão ao arco Iris do Movimento LGBT. Nesse caso, gostaria de dizer que os movimentos sociais também devem ser objeto de produção de conhecimento no espaço acadêmico, mas de um conhecimento que sirva à vida em sociedade. Assim, a universidade cumpre seu papel político para com os excluídos da História, pesquisando sobre eles e atuando junto deles. No caso de se tomar as religiões como objeto de estudo, a universidade deveria atuar no sentido do combate ao fundamentalismo religioso e a defesa da diversidade religiosa. No caso dos movimentos sociais, incluindo as LGBT, igualmente relevante seria o combate a homofobia e ao monopólio da família heterocentrada e a defesa da diversidade de gênero e de tipos de famílias.

Ocorre que há uma diferença histórica gritante. Ao se abrir a universidade para fins de culto, além de ameaçar a laicidade da instituição, tem se reafirmado a perspectiva de discurso único cristocêntrico. Ao se abrir a universidade para índios, negros, pobres, LGBT, mulheres, camponeses, operários, se abrem as portas para a convivência com as diferenças e não para o discurso único. E, assim, a universidade talvez pudesse cumprir um papel mais relevante ao incluir sujeitos marginalizados historicamente, já que ela vem se prestando muito bem aos ditames do mercado e dos conservadorismos. 

domingo, 12 de julho de 2015

DOIS PROJETOS DE UNIVERSIDADE: DE QUE LADO VOCÊ ESTÁ?

José Luciano de Queiroz Aires (UAH-UFCG)

A “Pátria Educadora” está em greve. Uma greve forte que movimenta o país inteiro levando docentes, estudantes e servidores técnico-administrativos às ruas brasileiras. O horizonte de expectativa desse movimento é a construção de uma greve geral que possa resistir ao projeto de educação levado a cabo pelo governo brasileiro com seus aliados internos e externos. Mas, afinal, o que está em jogo na atual conjuntura? Qual a importância de uma greve na educação nesse momento? São essas as questões sobre as quais gostaria de refletir nesse texto.
Inicialmente, gostaria de mencionar a temporalidade na qual estou escrevendo essas linhas. Em grande medida, o que pretendo desenvolver nesse artigo é resultado da experiência vivenciada em doze dias de participação do Comando Nacional de Greve do ANDES-SN e que gostaria de compartilhar com os leitores.
Mais do que o discurso verbalizado pelo governo brasileiro da “necessidade do ajuste fiscal”, em nome do qual é acionada a tesoura que corta mais de 9,4 bilhões do orçamento das instituições federias públicas, o que está em jogo é o embate entre dois projetos de universidade para o nosso país. Mais do que cortes, supostamente “momentâneos”, o que vai se consolidando é o modelo privatista, empresarial e mercadológico de educação, enterrando a universidade pública, gratuita, laica e de qualidade como direito social. A greve é fundamental e deve ser compreendida como arma necessária para enfrentarmos o projeto da mercantilização da educação dirigido pelas ambições dos empresários que se encostam às pilastras estruturadas em torno do orçamento da União.
Como é sabido de todos que acompanhamos a atual conjuntura, a política econômica conduzida por um Ministro da Fazenda, representante dos banqueiros, é direcionada no sentido de ajustar as contas públicas cortando direitos trabalhistas historicamente conquistados, diminuindo, consideravelmente, o repasse de verbas para setores fundamentais como a educação e a saúde pública e aumentando impostos e o custo de vida que afeta o andar de baixo da pirâmide social. A tesoura do Levy é bastante afiada quando faz um movimento para baixo e bastante enferrujada e incapaz de construir um movimento de corte para cima.
Saindo da metáfora e indo diretamente aos números, vale salientar que apenas em 2014, 45,11%, o equivalente a 978 bilhões de reais do orçamento da União foi comprometido com pagamento de juros e amortizações da dívida pública, restando apenas 3,73% para a educação. Desse modo, fica bastante evidente a hegemonia do bloco do capital financeiro que enriquece a cada dia que se aumentam as taxas de juros SELIC e quando o governo faz o esforço para manter o superávit primário que alimenta a boca enorme desses monstros que engordam especulando.
No andar de cima também se encontram as poucas famílias que acumulam fortunas e não são tributadas, conforme previsto na Constituição Federal. O Imposto Sobre Grandes Fortunas, caso fosse regulamentado no Brasil, atingiria 0,2% da população que, segundo dados da Receita Federal, corresponde a 221 mil contribuintes que possuem fortuna acima de 1 milhão de reais, muito dos quais escondidos em paraísos fiscais. Se esses afortunados fossem taxados em 1,5%, o governo arrecadaria algo em torno de 100 bilhões de reais por ano, mas o governo fez a opção de ajustar as contas de casa fazendo um ajuste fiscal pesando sobre os ombros já sofridos da classe trabalhadora brasileira.
Apenas essas duas molas mestras: o compromisso com o pagamento da dívida pública e a ausência de uma reforma tributária que taxe o capital e não a renda, já nos rende elementos explicativos para pensar seus reflexos no campo da educação. Ora, se sobra dinheiro para o mercado financeiro e falta a contribuição dos milionários para engrossar a receita, cabe à educação e outros setores considerados direitos sociais apenas a ínfima fatia da pizza do nosso orçamento.
E para piorar a situação, é importante ressaltar que nem toda previsão orçamentária para a educação se destina, exclusivamente, ao setor público. Aliás, o alimento que engorda os grandes grupos multinacionais e associados provém de recursos oriundos de programas como o PROUNI e o FIES. Basta exemplificar que a fusão do grupo Kroton-Anhaguera reúne mais estudantes/consumidores do que todos os matriculados nas 63 universidades federais e que a absoluta maioria dessas matriculas é mantida por meio dos programas acima mencionados. Basta dizer que, enquanto em 2014, o governo alocou R$ 13,5 bilhões para o FIES, as universidades públicas são precarizadas e se encontram ameaçadas de morte. A lógica neoliberal vem imperando no seu interior, inclusive com o aval dos reitores que aceitam a receita do MEC como uma lagartixa a balançar a cabeça para cima e para baixo dizendo “SIM SENHOR” a terceirização e a EBSERH, por exemplo. A fragmentação, o individualismo, a competitividade, vem reinando, absolutamente, entre docentes e estudantes, proporcionando uma disputa por espaços nos quais possam realizar seu “EU” já que cada dia parece se naturalizar a impossibilidade de um “NÓS”. Entretanto, a realização do “EU” pode ser provisória, pois se o teto do projeto de universidade pública desabar, essas cabeças também cairão e ficarão soterradas nos escombros da tragédia juntos com o “NÓS”. Aliás, isso já pode ser notado quando a CAPES corta 75% dos recursos do PROAP e quando projetos como o PIBID e o PARFOR estão ameaçados, por exemplo, uma vez que essa política de distribuição de bolsas por meio de programas tem feito com que muitos professores silenciem a respeito de política salarial justa, data base, carreira docente com possibilidade de progressão mais democrática, isonomia entre ativos e inativos, essa pauta, muitas vezes, é ignorada em função de um olhar direcionado às bolsas oriundas de órgãos de fomento ou empresas privadas ou estatais. Não sabem eles que elas são provisórias? A prova está à vista de todos que queiram enxergar, e são seus cortes e contingenciamentos.
A privatização da educação superior avança em duas frentes. Por um lado, cresce, vertiginosamente, o número de instituições privadas de ensino controladas por quatro grandes oligopólios cuja entrada no mercado acionário movimenta mais de 15 bilhões de reais por ano. Por outro lado, as universidades públicas vão aderindo cada vez mais à lógica privatista e a precarização do trabalho. A título de exemplo, podemos citar alguns casos que apontam nesse horizonte: a) a criação do FUNPRESP, que praticamente obriga os servidores públicos federais a contribuírem com a previdência privada para que não cheguem ao fim da vida com o teto da aposentadoria rebaixado para pouco mais de 4 mil reais; b) a política do MEC, com o aval dos reitores, de entregarem os hospitais universitários a EBSERH; c) o avanço das terceirizações, cujo debate no Congresso Nacional vem sinalizando em direção a atingir o setor fim do serviço público; d) a possibilidade de contratação de professor via Organização Social (OS), já legalizado pelo STF, o que inviabiliza os futuros concursos para docentes na universidades; d) a PEC 395/2014, já aprovada na CCJ da Câmara Federal e que altera o inciso IV do artigo 206 da Constituição Federal acabando com a gratuidade das especializações, aperfeiçoamento e cursos de treinamentos no interior da universidade pública.
Assim, conforme fez notar o historiador Marcelo Badaró, em recente artigo sobre a greve atual, a política de contratar professores, o fim da gratuidade nas universidades públicas e a implantação de políticas de gestão privatizante não ocorrem apenas no Brasil, mas em escala internacional e procuram atender aos receituários dos organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial que, de fato, são os controladores da política educacional vigente nesses tempos de globalização e neoliberalismo.

Por isso, entendo que a construção de uma greve geral é urgente e necessária para enfrentarmos esse projeto de universidade e defendermos a universidade pública, gratuita e de qualidade, incluindo os 10% do PIB e os recursos do pré-sal para ela e não para alimentar a sanha dos grandes empresários que acumulam capital mamando nas tetas do tesouro público nacional.