O
tempo é a melhor expressão da vida, ele caleja nossas mãos, põe rugas na nossa
face e muita experiência na nossa subjetividade. O tempo passa e, com ele,
passamos juntos. Juntos com o tempo e, nele, juntos com os outros. Aprendemos a
sonhar, a lutar, a ganhar e a perder. Ensinamos e aprendemos pelas estradas
marcadas pela duração, “caminhando e cantando e seguindo a canção”; ora, com
uma empostação vocal bastante afinada, ora, com rasgos de gritaria entortando a
música a sair pelas gargantas revoltadas que cantam à História. O tempo também
é um jardim de orquídeas, margaridas e rosas; jardim esse que precisamos regar
com a água cristalina da vida e cuidar com o afeto que o artesão transfere da
mente e do coração para as mãos cultas do ofício- (culto, no sentido
etimológico de cultivar, de cuidar). O tempo, enfim, é a especificidade da
História enquanto ciência e a matéria prima dos historiadores sobre o qual se
narra. Mas as tessituras costuradas pelos filhos de Clio nem sempre seguem
enredos progressistas e/ou revolucionários, já que alguns intelectuais costuram
intrigas seguindo as “esquinas perigosas da História”, para lembrar o título
sugestivo do livro de Valério Arcary.
Rosa
Godoy expressa o que de melhor o tempo nos deu e o que de melhor o tempo lhe
deu. Em 70 anos aqui conosco ela trabalhou bastante, deu aulas, orientou,
escreveu, publicou e administrou a coisa pública com ética e reconhecimento
pela comunidade acadêmica da UFPB quando da ocasião de ocupar uma pró-reitoria
nessa instituição de ensino superior. Além disso, ou mesmo em função disso,
pensou, respirou e praticou política o tempo todo. Se meteu em movimento
sindical docente quando da fundação da nossa ADUFPB e foi uma militante
orgânica junto aos movimentos sociais dos grupos e classes subalternas durante
o período final da Ditadura Militar. Por isso mesmo, foi vigiada e fichada
pelos órgãos da repressão daquele regime autocrático-burguês, conforme bela
terminologia conceitual cara a Florestan Fernandes. Apesar de uma época difícil,
na qual os marxistas já eram caçados, dentro e fora das universidades, Rosa
fundou o Núcleo de Documentação em História Regional da UFPB que mais tarde
faria nascer o Programa de Pós-Graduação em História que tem a mão de Rosa
Godoy como uma das fundadoras.
Enfim,
Rosa é o tempo do trabalho incansável que a tornou uma profissional querida
pelo Brasil a fora. Saiu de baixo para desafiar o tempo institucional uspiano e
mostrar que filha de classe trabalhadora do município de Jundiaí poderia
trilhar o tempo, da graduação ao pós-doutoramento, na universidade que Vargas
fez criar para formar as classes dominantes e integrar o Brasil nos quadros da
chamada modernidade capitalista industrial. Ainda mais: a menina de Jundiaí um
dia abraçou o corpo afetivo de Dona Leonor como que dissesse: “___ mãe, eu vou
voar... No tempo... e no espaço”. Logo ela, que veio se doutorar estudando a
espacialidade periférica do capitalismo desigual e combinado que pariu o progresso
burguês na Região Sudeste vomitando restos de miséria sobre a regionalidade
nordestina. E Rosa Godoy ainda aproveitou para responder a xenofobia às avessas
da anti-paulistanidade de parte do Departamento de História da UFPB. Rosa deu um
voo rasante na cidade de Cajazeiras para ministrar um curso de curta duração,
mas bebeu a água paraibana e a cerveja sertaneja e, como uma bandeirante na
contramarcha, rasgou a Paraíba inteira rumo ao litoral e veio residir, conviver
e trabalhar na capital mais bela do mundo que fica, coincidentemente, na ponta
mais oriental das Américas.
Rosa
Godoy é aquela mulher que soube cultivar as relações interpessoais nesses 70
anos de vida e que, não por mera coincidência, veio comemorar sua maioridade
junto ao G9 + e ao lado dos amigos e amigas que construiu na Paraíba. E nós que
aqui estamos a festeja-la, direta ou indiretamente, sendo orientando de fato ou
de direito, um dia passamos na sua residência no Bairro de Tambaú. Sábado,
domingo ou feriado, não importava, lá estava Rosa sentada à mesa com um
calhamaço de tese ou dissertação discutindo pagina a página com o
orientando/amigo, fumando seu cigarro, tomando sua cerveja e discutindo o
presente e o passado. E agindo politicamente no tempo presente, o tempo do
historiador.
Mas
Rosa não é apenas a profissional, a professora, a historiadora. É uma mulher
corajosa, destemida, solidária, amiga. É a filha que soube acompanhar à mãe até
a morte, mesmo à distância; é também a mãe genial da Lígia, a genitora que
também desafiou a sociedade patriarcal, cristocêntrica e oligárquica paraibana
e mostrou como o mundo deve ser plural e os modelos de famílias igualmente
diversos. Sua filha hoje é a prova do quanto as duas juntas, ao lado da
cuidadora e amiga Silvia, formaram um modelo perfeito de família.
Rosa
é vencedora porque esteve sempre do lado certo da História. Chegou aos 70 com
cabelos brancos e algumas rugas, é verdade, mas com uma jovialidade na alma de
dar inveja a muitos. É uma menina! Uma flor no jardim desse mundo tão cheio de
flores secas e murchas; uma rosa que à cada dia que o sol desponta no horizonte,
fica mais viva, mais brilhante, e é por esse brilho irradiante que você, Rosa
Godoy, faz o mundo ficar melhor.
Agora,
aos 70, desejamos que você continue desafiando o tempo, enfrentando as
intempéries, como sempre fez e que o tempo te reserve muito tempo de estadia
nesse planeta maluco. Mas você faz diferença para nós!
Beijos
dos amigos de Campina Grande! Feliz aniversário! Parabéns.