segunda-feira, 28 de março de 2016

CONTRA O GOLPE E POR UMA DEMOCRACIA COM INCLUSÃO SOCIAL

Gostaria de iniciar demarcando meu lugar ideológico. Sou um historiador marxista e, portanto, crítico mordaz do capitalismo, ao mesmo tempo em que defendo projetos alternativos ao exclusivismo do Deus do mercado. Digo isso, para reafirmar minhas críticas ao atual governo federal e aos demais governos estaduais e municipais que vêm fazendo ajuste fiscal sobre os ombros da classe trabalhadora: com retirada de direitos, repressão e criminalização dos movimentos sociais, a exemplo da Lei antiterrorista sancionada por Dilma em plena crise política e, paradoxalmente, no momento em que o governo mais precisa dos movimentos sociais. E tudo isso para salvar a fatia de mais de 46 % do orçamento da União para pagar juros da dívida pública e alimentar a ganância concentracionista dos grandes banqueiros. E continuarei fazendo críticas propondo sempre uma saída à esquerda.
Entretanto, um dos horizontes concreto de possibilidade história na curta duração, pode ser uma saída ainda mais à direita, talvez e, lastimavelmente, conduzida por uma direita fascista já operante cotidianamente nas ruas e nos tribunais. Daí por que se faz necessário uma reflexão sobre esse momento a fim de que saibamos agarrar a oportunidade no instante do seu relampejar, para usar uma metáfora do grande Walter Benjamin.
Não precisamos ir muito longe para concluir que existe uma tentativa de golpe em marcha no Brasil. Sua operacionalização é conduzida por um bloco histórico formado pelas classes dominantes brasileiras e pelo o capital multinacional, apoiados na grande mídia e no aparato judiciário e representados por políticos conservadores e neoliberais. Para mim, não se pode pensar a tentativa de golpe apenas de forma endógena, pois a raiz está no histórico imperialismo estadunidense. O roteiro é, mais ou menos, o seguinte: o governo Dilma rompeu com a ALCA e fortaleceu uma política internacional e econômica com a América Latina. Integrou o Brasil ao BRICS sugerindo uma alternativa monetário/financeira em relação à política do FMI e do Banco Mundial que vigora desde o apagar das chamas derradeiras da Segunda Guerra Mundial; adesão essa que fez sair da boca de um Agente Britânico de Inteligência o seguinte comentário recente (19 de março de 2016): "o Brasil é o primeiro do quinteto BRICS a quebrar em tantas frentes ao mesmo tempo, enquanto a Rússia e África do Sul estão ambos em profunda crise e sendo que a China está perdendo US$ 100 bilhões de reservas em moeda externa ao mês. Só a Índia está conseguindo navegar. O conceito BRICS tornou-se sem sentido (...) o impulso do impeachment da senhora Rousseff parece não ter freios". Ele acrescenta que “os mercados estão esperando que o atual vice-presidente Michel Temer assuma e agarre as rédeas da austeridade e de reforma à frente de um governo pró-mercado".
Por fim, em vez do regime de concessão, o governo Dilma optou pelo regime de partilha em relação ao pré-sal, deixando de fora empresas estadunidenses como a Esso, a Shell (da qual a esposa do juiz Sérgio Moro é advogada) e a Chevron. Em seguida, Dilma e a PETROBRAS passaram a ser espionados pelos Estados Unidos, fazendo com que a presidente chegasse a cancelar uma visita ao país e ao encontro que teria com o presidente Barack Obama. É nesse bojo que apareceu a operação lava jato. Ela é filha do pré-sal. A lava jato deve ser compreendida na sua articulação com a escala global do jogo político do capitalismo globalizado. Mas os agentes externos têm suas articulações internas, como o caso da Rede Globo e do PSDB. É preciso criar e repetir um discurso de que a PETROBRAS é um poço de corrupção, que ela está com problemas financeiros dados os desvios, que não tem condições de ser a única operadora do pré-sal. Tem sido assim no capitalismo neoliberal: é preciso criar e consolidar a ideia de que as empresas públicas são expressões de sucateamento, para justificar sua privatização. O Deus do mercado é que dá as cartas. E a ideologia aparece quase como um mundo inelutável e inevitável, como se a empresa pública deva ser riscada do mapa e extinta da terra tal qual foram os dinossauros.
Não é de hoje que as multinacionais estadunidenses arregalam seus olhos para o nosso subsolo petrolífero. Assim fora no inicio dos anos 1950, quando os nacionalistas conquistaram do presidente Vargas a criação da PETROBRÁS como uma empresa 100 % estatal e nacional, contrariando as forças imperialistas que ajudaram Getúlio dar um tiro no próprio peito. A conquista de 1953 foi se desfazendo durante o governo FHC com a quebra de monopólio da PETROBRAS e, com continuidade dos governos Lula e Dilma, com a venda de ativos da empresa na Bolsa de Valores, contribuindo para sua desnacionalização e privatização. Mas a ambição da burguesia internacional não tem limites, daí se explica o fato de que ela quer nosso pré-sal e o restinho que nos sobrou da PETROBRAS.
Por outro lado, as várias frações da burguesia brasileira romperam com o governo Dilma e sua política de conciliação de classe, cujo símbolo mais representativo, no momento, é a campanha realizada pela FIESP a favor da manutenção de militantes em favor do impeachment em frente a sua sede na Avenida Paulista. A imagem que me vem à mente na atual conjuntura é aquela dos filhos rebeldes que começam a se revoltarem contra os pais e abandonarem o lar no qual se hospedou e se alimentou durante um bom tempo. Pois bem, a grande mídia, a bancada evangélica e fundamentalista, a bancada ruralista, a burguesia industrial, todas elas estão saindo acenando com um “tchauzinho” para o governo Dilma e correndo atrás de um governo Temer/Aécio/Cunha/Renan, do qual podem tirar ainda mais proveito no sentido de acumulação de capital. O filho quer um novo pai, muito mais mão aberta; um paizão, daqueles que não medem esforços para abrir os bolsos em proveito do filho resmungão que quanto mais tem, mais quer ter, e ser. A propósito, gostaria de citar um trecho do Jornal Esquerda Diário, com o qual concordo:

“O poder de Moro vem de que apesar do governo Dilma se esforçar em agradar aos interesses do grande capital, apesar de oferecer a lei que amplia as privatizações [Lei PLS 555], de promover cortes na educação e em toda a área social, de alimentar como pôde à direita neoliberal e repressiva e prometer ir além nos ataques trabalhistas que já vem fazendo, isso tudo ainda é pouco para o imperialismo na sua crise atual (...) Não é acidental que haja atos contra Dilma nas portas da Fiesp: o grande capital necessita de um governo mais colado na Fiesp, mais “ajustador” que Dilma, sem relação com os sindicatos. Os mesmos sindicatos que o lulo-petismo aparelhou e trata de manipular – via burocracia da CUT – para não se mobilizarem contra os ataques do governo petista contra o mundo do trabalho e cortes sociais de todo tipo. A esquerda do “fica Dilma” tem razão em combater e denunciar o impeachment como golpe, ou as ações do “Lava a Jato” como seletivas e, neste caso, golpistas, mas está estrategicamente equivocada ao não se mobilizar contra os ajustes da Dilma(...). Em nome da democracia em abstrato, preserva um governo que marcha a passos largos em medidas antinacionais , antidemocráticas e antitrabalhistas ao mesmo tempo em que, por essa via, abre caminho para a direita, aduba o terreno para o “partido do judiciário” pró-imperialista. Por isso os juízes escolhem qual o corrupto querem escutar, qual político levam “coercitivamente”, qual político é escrachado publicamente, qual esquema de corrupção vão por na pauta [merendão, trensalão do Alckmin, Furnas de Aécio por exemplo, não entram] e assim por diante. Eles funcionam como partido político: o mesmo juiz que marchou nas ruas com a direita pela manhã, mais tarde vai e solta uma “ordem” judicial contra a posse do Lula ministro. O juizado é um partido de classe, nem polícia nem juiz está ao lado da classe trabalhadora. O que o nada neutro Moro representa de fato é um partido que procura impor não o “fora todos”, mas o “fora este governo” e que “venha outro que acelere” a direitização da Dilma. (...) A cruzada do juiz Moro, e a seletividade dos seus ataques, obedece a interesses econômicos antinacionais e nada éticos. Daí o destaque midiático, daí tanta musculação”. (Esquerda Diário, 19 mar. 2016)
Sobre o papel de uma considerável fração da classe média brasileira, tendo a concordar com Marilena Chauí: “é uma multidão com ódio e sem proposta”, é racista, fascista e homofóbica, sem falar no incomensurável preconceito de classe social. Como se fala muito nas redes sociais, se trata de uma classe média que não aceita a abolição, não quer ver índios, negros, domésticas e camponeses nas universidades, aeroportos, e outros lugares, tradicionalmente, ocupados por uma elite. Essa fração da classe média, em 1964, andava pelas ruas desfiando um rosário e entoando o discurso ideológico “Deus, Pátria e Família”. Agora, trocaram o rosário pelas panelas, vivem a batê-las das sacadas de glamourosos apartamentos na zona nobre das cidades e comendo filé mignon em frente a FIESP, embora permaneça o discurso de extrema direita “Deus, Pátria e Família”. Não sabe essa classe média que o projeto do impeachment é um projeto do grande capital para sair da crise econômica e que ela também será prejudicada caso esse projeto seja vencedor. Na boca voraz e faminta da burguesia entra todo alimento da economia e não sobrará muito para a classe média, muito menos ainda para a classe trabalhadora.
Para concluir, gostaria de conclamar os companheiros e companheiras que se juntam nesse ato em defesa da Democracia, para que continuemos firmes na luta por uma Democracia participativa e com inclusão social e que, façamos a crítica ao governo Dilma no que concerne as suas políticas econômica, fiscal, trabalhista, educacional, agrária, que vem desmontando o serviço público; abrindo caminho avassalador para as privatizações e terceirizações; que veta a auditoria da dívida pública; que não taxa as grandes fortunas; que não titula terras indígenas, quilombolas e de acampados; que retira recursos das universidades públicas para jogar para o capital multinacional privado via FIES; que sinaliza com uma reforma previdenciária que aumenta ainda mais a idade da aposentadoria; que faz acordo com os tucanos para entregar o pré-sal; portanto, não basta lutar pela sustentação do governo, mas os movimentos vermelhos de esquerdas que garantiram sua vitória no segundo turno e que podem ser a única possibilidade de aniquilar o impeachment devem, também, disputar o governo com o empresariado, os latifundiários e os banqueiros. O governo nos deve muito esse apoio de ruas e de urnas, pois ainda somos fieis em tempos sombrios e o governo parece trabalhar com essa nossa fidelidade, contra nós. A luta de classe deve ser permanente, com ou sem o golpe, sob o risco de apenas manter a presidente, ou trocar de presidente, e só.