José
Luciano de Queiroz Aires (UFCG)
Quem falou
que homem não pode se meter no tema do feminismo? Pois bem, sou homem,
professor de História da UFCG e pretendo me manifestar sobre a postura misógina
do colega do curso de Engenharia Elétrica realizada em paginas de redes
sociais. Não creio que haja necessidade de reproduzir aqui o conteúdo por ele
apresentado, inclusive por já ter viralizado nas próprias redes e ser do
conhecimento da ampla maioria das pessoas.
Antes de
mais nada, é preciso ampliar a escala de análise no tempo e no espaço, pois
esse não é um caso isolado, nem descolado de uma estrutura macroscópica. O
patriarcado precede o capitalismo, mas a situação da maioria das mulheres
piorou, consideravelmente, com o surgimento do Modo Capitalista de Produção.
Nas sociedades pré-capitalistas a divisão do trabalho se circunscrevia ao
âmbito de uma economia doméstica na qual as mulheres possuíam um papel
importante juntamente com os homens e a economia girava em torno da casa. O
capitalismo separou a economia doméstica da economia de mercado, a casa se
distanciou da fábrica e as mulheres trabalhadoras passaram a sofrer a
exploração econômica e social no chão fabril, sem se libertarem das funções
tidas como “femininas”, da “rainha do lar” e “boa mãe de família”. Nesse
sentido, há uma enorme diferença entre as condições de ser homem ou ser mulher
na sociedade capitalista, pois à (maioria absoluta) delas coube, até hoje, a função
da reprodução social no âmbito do lar, trabalho esse, desqualificado e não
remunerado. Mais importante para o mundo da produção e circulação de
mercadorias.
Junto a essa
base material da estrutura capitalista, de suas relações sociais e da sua
divisão do trabalho, a burguesia do século XIX encravou um processo ideológico
que definia subjetivamente uma concepção de família patriarcal e heterossexual.
Ancorada e justificada na ciência moderna, o homem foi classificado como um “ser
racional”, “viril” e “forte”, portanto, “naturalmente” determinado para a vida
pública, para o mundo lá fora; por outro lado, a mulher foi classificada como
um “ser emotivo”, “sexo frágil”, portanto, “por sua essência e natureza”
determinada à vida privada. Ser mãe, esposa e dona de casa eram as atribuições
que “combinariam” com o gênero feminino. Não custa lembrar que essa ideologia
se transforma em força material quando essas representações são
essencializadas, naturalizadas e postas em prática. A função da ideologia em
Marx é justamente essa.
Por essas é
que entendemos o quão estrutural é a questão. O caso do professor misógino da
Engenharia Elétrica da UFCG reproduz essa ideologia da família burguesa vitoriana
do século XIX. Em geral os próprios cursos de engenharia nas universidades,
além de outros, revelam um racismo e um machismo institucionais quando me
parece haver uma exclusão de homens negros e de mulheres nos seus corpos
docentes. E não me venham aqui falar em meritocracia!
As
instituições também não são ilhas incomunicáveis com a terra. Na verdade, elas
reproduzem no seu interior as estruturas societárias mais amplas, a exemplo do
capitalismo, do patriarcado e do racismo. E pouco fazem para combater essas
vigas poderosas que teimam em continuar apesar das lutas sociais e de algumas
conquistas de direitos por elas trazidos.
O que nos
espanta é um professor universitário botar seu corpo no século XXI e sua cabeça
no XIX e achar que os homens trabalhadores executam as mais “nobres” e “pesadas
profissões”, enquanto as mulheres trabalhadoras “reclamam da vida” por ter que
lavar a louça, trocar a fralda do bebê e fazer o almoço todos os dias. Quando
sabemos que muitas mulheres trabalhadoras, durante os mais de três séculos de
capitalismo, são exploradas pelos patrões, fazem as máquinas gerar riqueza para
eles e ainda não se libertaram da opressão patriarcal, da tripla jornada e da
violência doméstica. A propósito, é por achar que o corpo da mulher é
propriedade privada do homem, por não aceitar uma traição ou o fim de uma
relação que muitos casos de feminicídio se arrastam em estatísticas alarmantes
e ainda omissas, apesar da lei Maria da Penha.
Se essas
mulheres trabalhadoras forem racializadas, a exploração econômica e o machismo
serão reforçados pelo peso do racismo estrutural. Hoje podemos ver muitas delas
trabalhando nas funções mais precarizadas do mundo do trabalho, ainda tratadas
como escravas, recebendo salários menores do que os dos homens. Essa divisão é
propositiva do capitalismo, dividir a maioria das classes e grupos subalternos.
O que fazer?
Do meu ponto de vista, continuar combatendo em três frentes, mas no mesmo campo
de luta. A emancipação das mulheres, também deve caminhar nas mesmas ruas
antirracistas e anticapitalistas, pois, embora devamos fazer notas de repúdios,
abrir processos em comissão de ética, lutar por uma lei no parlamento, etc,
creio que são paliativos e que, embora importantes, não resolverão o problema
que, como formulado por Ângela Davis, é de gênero, raça e classe. Talvez, uma tarefa número zero fosse derrotar
o bolsonarismo, movimento que possibilitou os neofascistas saírem do armário e
acreditar que tudo podem dizer e fazer. Mesmo que esse tudo saia da mão de um
docente universitário que deve se orgulhar de seus projetos no ramo da
engenharia mas resiste em lavar sua própria cueca.