Eliete
de Queiroz Gurjão (Professora Aposentada- UFPB e UEPB)
1 TERRAS DOS CARIRIS
OCUPADAS POR FAZENDAS DE GADO
O município de Gurjão situa-se no
Estado da Paraíba, na microrregião do Cariri Oriental que se insere na mesorregião da Borborema.
A denominação cariri tem sua origem nos nativos desta área. Os portugueses,
inicialmente, denominavam de tapuias
todos os primitivos habitantes do interior. Os tapuias ocupavam esta imensa área e segundo estudos mais recentes estavam divididos em
duas nações: cariris e tarairiús. A
primeira, a nação cariri, habitava a
microrregião que leva seu nome, enquanto os tarairiús
ocupavam outras áreas do interior. Viviam ambas em perfeita integração com a
natureza e de acordo com seu estágio cultural (paleolítico superior) até o
século XVII, quando os sertanistas iniciaram
a invasão de suas terras e sua captura, submetendo-os à escravidão ou à
catequese, com o auxílio das ordens religiosas.
O impulso para a conquista e ocupação
das terras do interior do Nordeste foi gerado pela expansão do mercado açucareiro. Em meados do
século XVII a economia açucareira atingiu seu apogeu; havia necessidade
crescente de ampliar a produção para atender a demanda do comércio. Neste sentido, as melhores terras do litoral precisavam
serem exclusivas para o cultivo da cana e de sua lavoura de subsistência, não
havendo mais espaço para a expansão da pecuária. Daí porque, o rei de Portugal
decretou a proibição de criar gado até vinte léguas do litoral. Ao mesmo tempo,
estimulou a doação de sesmarias (lotes de terra) no interior com a finalidade
de estabelecer fazendas de gado. No início , as sesmarias eram doadas àqueles
que haviam combatido e expulsado os nativos, "limpando o terreno" , conforme se expressavam nessa
época. Em consequência, ocorreram as entradas,
expedições organizadas para conquista das terras dos nativos e sua
submissão ou escravização, inclusive com base no princípio da guerra justa, ou seja, índio que
resistisse era justo ser escravizado. Os índios que se rendiam eram reunidos e
catequisados nas aldeias, ou missões, associando,
assim, o empenho dos religiosos ao dos colonizadores.
A partir da segunda metade do século
XVII, seguindo o curso do rio São Francisco e de seus afluentes, foi iniciada a
conquista e ocupação das terras do interior do Nordeste por sertanistas provenientes da Bahia e do
litoral de Pernambuco. Submetidos os nativos e instaladas as missões, seguiam-se requerimentos para
concessões de terras para criação de gado. As fazendas de gado foram, por
conseguinte, os embriões do povoamento de todo o interior, centralizando as
atividades produtivas e gestando uma economia fundamentalmente rural. Seus
aglomerados populacionais constituíam prolongamento do campo, tendo como
atividade principal a feira de gado e mantimentos. Os centros
politico-administrativos eram as vilas que funcionavam como sedes de município,
comarca e diocese.
Em 1669 foi doada uma sesmaria no Cariri para
instalação de fazenda de gado que originou a
Vila Real de São João, cujo crescimento deu-lhe posição de destaque
entre os centros urbanos do interior. Seu território compreendia vários
distritos, entre os quais Timbaúba.
2 DE TIMBAÚBA À
GURJÃO
Segundo Irinêo Joffily, (s/d ) o
território de São João do Cariri era habitado pela tribo sucurú, pertencente à nação cariri.
Considerando que Timbaúba ocupava a
mesma região, deduz-se que os sucurús
também ocupavam seu território.
No contexto da primeira metade do século
XVIII, em 1733, ocorreu a doação da sesmaria
e instalação da fazenda de gado que constituiu o núcleo original de
Timbaúba. Posteriormente, outras fazendas de gado foram criadas e nelas
funcionavam os "arranchos" conforme depoimento do Sr. Abdias Olinto,
antigo morador que presenciou os últimos anos do século XIX.
O Sr. Abdias descreveu os
"arranchos" como currais, cujo objetivo era o aluguel para o abrigo
dos rebanhos conduzidos pelos boiadeiros para as feiras de gado de Campina
Grande e Pocinhos. Os boiadeiros muitas vezes viajavam durante seis meses,
provenientes do sertão paraibano e até do Piauí. No "comércio"
(mercado) alojavam-se os "tangerinos", responsáveis por
"tanger", ou seja, direcionar o rebanho durante a caminhada. Os
"arrieiros" chegavam antes, conduzindo grandes tachos e ingredientes
afim de preparar as refeições dos boiadeiros. O informante acrescentou, ainda, que
era comum a utilização de liteiras puxadas por animais para transportar os
homens que adoeciam durante a caminhada.
A produção da pecuária local
destinava-se apenas ao consumo interno, assim como a agricultura de
subsistência que era limitada pelas constantes estiagens. No século XIX o
algodão, sobretudoo arbóreo, já despontava, adaptando-se ao clima e resistindo
às secas muito contribuiu para o desenvolvimento posterior do município. Em
1914, transportado no lombo de animais, o algodão produzido em Timbaúba já era
vendido para o mercado de Campina Grande,.
A mão de obra escrava muito
utilizada no litoral, também o foi no
cariri. Próximo à abolição o município de São João, incluindo Timbaúba,
destacava-se entre os maiores escravocratas, conforme comprova Celso Mariz
(1939, p. 37) " Em 1885 tínhamos (o
Estado) ainda 9.207 escravos homens e 10.571 mulheres. Possuíam escravos em
maior número os municípios de São João do Cariri, Capital, Mamanguape,
Itabaiana [...] "
Na segunda metade do século XIX a
Paraíba foi vítima de duas epidemias de Cólera, a primeira em 1856 e a segunda
em 1862. Segundo José Leal (1965, p. 264 ) a primeira teve início em São João:
A invasão da província pelo Cólera-Morbus verificou-se
através da fronteira
de Pernambuco, manifestando-se a princípio em São João do Cariri e em Taquara [...] Nessa
primeira investida do Cólera- Morbus
morreram 25.390 pessoas, sendo esta a contribuição de várias áreas: Cariri 1703; Capital e
zona litorânea 5.741[...] "
A segunda epidemia marcou
definitivamente a história de Timbaúba. Seus habitantes, apavorados com o
avanço da epidemia e sem contar com assistência médica recorriam à providência
Divina e aos santos. São Sebastião, por ser conhecido como defensor contra a
peste, fome e guerra, foi o mais invocado, inclusive através de promessas.
Nove anos após esta epidemia, em
1871, um grupo de proprietários de terras de Timbaúba, entre os quais o coronel
Antônio José Gurjão, fez a doação do patrimônio para a construção de uma capela
em homenagem a São Sebastião, conforme declara em documento lavrado em cartório:
" Escritura de doação para patrimônio da Capela do Senhor São Sebastião
que se tem de erigir em Timbaúba deste Termo [...] " (folha 1 da Escritura
de Doação, 1871).
Foi construída a capela de São
Sebastião, santo eleito padroeiro do povoado. Até hoje ele permanece padroeiro
e a tradição é mantida, inclusive, com ritual e comemoração, através de
procissão e festa anual em homenagem ao santo, em 20 de janeiro.
Em 1890 apesar de já se constituir
como povoado, Timbaúba ainda era um povoado muito pequeno e mal aparelhado, conforme
o descreve um antigo habitante local, Raulino Maracajá, em cujo
Diário (1958, p. 43) afirma:
Timbaúba
do Gurjão
Antigamente
era uma fazenda.
Era
assim conhecida por ter residido ali o cel. Antonio José de Farias Gurjão,
grande fazendeiro e proprietário...
No
ano de 1890 mais ou menos, foi quando vim a conhecer Timbaúba,
já era povoação.
Existia
umas 10 a 12 casas, uma casa velha de tijolo em preto sem ladrilho a qual
servia de comércio ou mercado.
A capela muito grande e mal
edificada.
Uma
bodega mal sortida, talvez as mercadorias não chegassem a importância de 300
mil reis[...]
A primeira rua do povoado situou-se
em frente à capela. Atualmente é uma das principais artérias da cidade e recebe
a denominação de Luis Queiroz, antigo mestre do município. Somente em 1921 o
povoado foi elevada à condição de distrito, conservando o nome de Timbaúba e
subordinado ao município de São João do Cariri. Em 1924 foi implantado o
cartório, submetido à comarca de São João.
Em 1943 recebeu a denominação de Gurjão. Sua elevação à
categoria de município só ocorreu em 02 de janeiro de 1962 ( Dec. no. 2.447),
incorporando o distrito de Santo André.
A deficiência dos meios de transporte e comunicação
muito contribuiu para retardar o
desenvolvimento de Gurjão. Até mesmo quando ferrovias já ligavam várias cidades
paraibanas no início do século XX e mais adiante, quando o sistema rodoviário
já ligava o interior ao litoral do Estado, Gurjão permaneceu isolado.
Situado na área mais seca da
Paraíba, o município de Gurjão, no decorrer de sua história, vem enfrentando
muitos períodos de estiagens. Além disto, a agricultura local é prejudicada
pelas condições de um solo muito pedregoso
e alta salinidade.
O problema das secas, a falta de
assistência governamental, o isolamento resultante da carência de meios de
transportes e comunicações, em conjunto, constituíram motivos para o ritmo
lento do desenvolvimento local. Acrescente-se a tudo isto a emigração de grande
parte de sua mão de obra, atraída pelas melhores condições de trabalho no Rio
de Janeiro e São Paulo. Tratou-se do êxodo Nordeste-Sudeste, acentuado durante a segunda metade do século passado e
aprofundado a partir dos anos sessenta com a construção de Brasília e a
consequente expansão da fronteira para o Centro-Oeste.
Enfim, Gurjão sobreviveu em meio às
dificuldades seculares acima apontadas e no século atual caminha de forma mais
acelerada, o que vem repercutindo favoravelmente no desenvolvimento urbano da
sede do município.
REFERÊNCIAS
Bibliográficas
ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. João Pessoa: Ed. Universitária, UFPB,1978.
GURJÃO, Eliete de Queiroz. (org). Estudando
a história da Paraíba. Campina Grande:: Ed.Cultura Nordestina, 1999.
HERCKMANS,
Elias. Descrição geral da capitania da
Paraíba. João Pessoa:
A UNIÃO
Ed., 1982.
JOFFILY, Irinêo. Notas sobre a Paraíba. Brasília: Ed. Thesaurus, s/d.
LEAL, José. Itinerário
da história. João Pessoa: 1965.
TAVARES,
João de Lyra. Apontamentos para a
história territorial da
Parahyba. Mossoro: Coleção Mossoroense, 1982.
MARIZ,
Celso. Evolução econômica da Paraíba.
João Pessoa: A União
Editora,
1939.
Documentais
Escritura
de doação para patrimônio da capela do Senhor São Sebastião. Comarca de São João, 1871. Arquivo do
Cartório de São João do Cariri.
MARACAJÁ,
Raulino. "O Meu Diário",
Gurjão: 1958.