Gostaria
de iniciar demarcando meu lugar ideológico. Sou um historiador marxista e,
portanto, crítico mordaz do capitalismo, ao mesmo tempo em que defendo projetos
alternativos ao exclusivismo do Deus do mercado. Digo isso, para reafirmar
minhas críticas ao atual governo federal e aos demais governos estaduais e
municipais que vêm fazendo ajuste fiscal sobre os ombros da classe
trabalhadora: com retirada de direitos, repressão e criminalização dos
movimentos sociais, a exemplo da Lei antiterrorista sancionada por Dilma em
plena crise política e, paradoxalmente, no momento em que o governo mais precisa
dos movimentos sociais. E tudo isso para salvar a fatia de mais de 46 % do
orçamento da União para pagar juros da dívida pública e alimentar a ganância
concentracionista dos grandes banqueiros. E continuarei fazendo críticas
propondo sempre uma saída à esquerda.
Entretanto,
um dos horizontes concreto de possibilidade história na curta duração, pode ser
uma saída ainda mais à direita, talvez e, lastimavelmente, conduzida por uma
direita fascista já operante cotidianamente nas ruas e nos tribunais. Daí por
que se faz necessário uma reflexão sobre esse momento a fim de que saibamos
agarrar a oportunidade no instante do seu relampejar, para usar uma metáfora do
grande Walter Benjamin.
Não precisamos
ir muito longe para concluir que existe uma tentativa de golpe em marcha no
Brasil. Sua operacionalização é conduzida por um bloco histórico formado pelas
classes dominantes brasileiras e pelo o capital multinacional, apoiados na
grande mídia e no aparato judiciário e representados por políticos
conservadores e neoliberais. Para mim, não se pode pensar a tentativa de golpe
apenas de forma endógena, pois a raiz está no histórico imperialismo
estadunidense. O roteiro é, mais ou menos, o seguinte: o governo Dilma rompeu
com a ALCA e fortaleceu uma política internacional e econômica com a América
Latina. Integrou o Brasil ao BRICS sugerindo uma alternativa
monetário/financeira em relação à política do FMI e do Banco Mundial que vigora
desde o apagar das chamas derradeiras da Segunda Guerra Mundial; adesão essa
que fez sair da boca de um Agente Britânico de Inteligência o seguinte
comentário recente (19 de março de 2016): "o
Brasil é o primeiro do quinteto BRICS a quebrar em tantas frentes ao mesmo
tempo, enquanto a Rússia e África do Sul estão ambos em profunda crise e sendo
que a China está perdendo US$ 100 bilhões de reservas em moeda externa ao mês.
Só a Índia está conseguindo navegar. O conceito BRICS tornou-se sem sentido
(...) o impulso do impeachment da senhora Rousseff parece não ter freios".
Ele acrescenta que “os mercados estão esperando que o atual vice-presidente
Michel Temer assuma e agarre as rédeas da austeridade e de reforma à frente de
um governo pró-mercado".
Por fim, em vez do regime de concessão, o governo
Dilma optou pelo regime de partilha em relação ao pré-sal, deixando de fora
empresas estadunidenses como a Esso, a Shell (da qual a esposa do juiz Sérgio
Moro é advogada) e a Chevron. Em seguida, Dilma e a PETROBRAS passaram a ser
espionados pelos Estados Unidos, fazendo com que a presidente chegasse a
cancelar uma visita ao país e ao encontro que teria com o presidente Barack
Obama. É nesse bojo que apareceu a operação lava jato. Ela é filha do pré-sal.
A lava jato deve ser compreendida na sua articulação com a escala global do
jogo político do capitalismo globalizado. Mas os agentes externos têm suas
articulações internas, como o caso da Rede Globo e do PSDB. É preciso criar e
repetir um discurso de que a PETROBRAS é um poço de corrupção, que ela está com
problemas financeiros dados os desvios, que não tem condições de ser a única
operadora do pré-sal. Tem sido assim no capitalismo neoliberal: é preciso criar
e consolidar a ideia de que as empresas públicas são expressões de sucateamento,
para justificar sua privatização. O Deus do mercado é que dá as cartas. E a
ideologia aparece quase como um mundo inelutável e inevitável, como se a
empresa pública deva ser riscada do mapa e extinta da terra tal qual foram os
dinossauros.
Não
é de hoje que as multinacionais estadunidenses arregalam seus olhos para o
nosso subsolo petrolífero. Assim fora no inicio dos anos 1950, quando os
nacionalistas conquistaram do presidente Vargas a criação da PETROBRÁS como uma
empresa 100 % estatal e nacional, contrariando as forças imperialistas que
ajudaram Getúlio dar um tiro no próprio peito. A conquista de 1953 foi se
desfazendo durante o governo FHC com a quebra de monopólio da PETROBRAS e, com
continuidade dos governos Lula e Dilma, com a venda de ativos da empresa na
Bolsa de Valores, contribuindo para sua desnacionalização e privatização. Mas a
ambição da burguesia internacional não tem limites, daí se explica o fato de
que ela quer nosso pré-sal e o restinho que nos sobrou da PETROBRAS.
Por
outro lado, as várias frações da burguesia brasileira romperam com o governo
Dilma e sua política de conciliação de classe, cujo símbolo mais representativo,
no momento, é a campanha realizada pela FIESP a favor da manutenção de
militantes em favor do impeachment em frente a sua sede na Avenida Paulista. A
imagem que me vem à mente na atual conjuntura é aquela dos filhos rebeldes que
começam a se revoltarem contra os pais e abandonarem o lar no qual se hospedou
e se alimentou durante um bom tempo. Pois bem, a grande mídia, a bancada
evangélica e fundamentalista, a bancada ruralista, a burguesia industrial,
todas elas estão saindo acenando com um “tchauzinho” para o governo Dilma e
correndo atrás de um governo Temer/Aécio/Cunha/Renan, do qual podem tirar ainda
mais proveito no sentido de acumulação de capital. O filho quer um novo pai,
muito mais mão aberta; um paizão, daqueles que não medem esforços para abrir os
bolsos em proveito do filho resmungão que quanto mais tem, mais quer ter, e
ser. A propósito, gostaria de citar um trecho do Jornal Esquerda Diário, com o
qual concordo:
“O poder de Moro vem de que apesar
do governo Dilma se esforçar em agradar aos interesses do grande capital,
apesar de oferecer a lei que amplia as privatizações [Lei PLS 555], de promover
cortes na educação e em toda a área social, de alimentar como pôde à direita
neoliberal e repressiva e prometer ir além nos ataques trabalhistas que já vem
fazendo, isso tudo ainda é pouco para o imperialismo na sua
crise atual (...) Não é acidental que haja atos contra Dilma nas portas da
Fiesp: o grande capital necessita de um governo mais colado na Fiesp, mais
“ajustador” que Dilma, sem relação com os sindicatos. Os mesmos sindicatos que
o lulo-petismo aparelhou e trata de manipular – via burocracia da CUT – para não
se mobilizarem contra os ataques do governo petista contra o mundo do trabalho
e cortes sociais de todo tipo. A esquerda do “fica Dilma” tem razão em combater
e denunciar o impeachment como golpe, ou as ações do “Lava a Jato” como
seletivas e, neste caso, golpistas, mas está estrategicamente equivocada ao não
se mobilizar contra os ajustes da Dilma(...). Em nome da democracia em
abstrato, preserva um governo que marcha a passos largos em medidas
antinacionais , antidemocráticas e antitrabalhistas ao mesmo tempo em que, por
essa via, abre caminho para a direita, aduba o terreno para o “partido do
judiciário” pró-imperialista. Por isso os juízes escolhem qual o corrupto
querem escutar, qual político levam “coercitivamente”, qual político é
escrachado publicamente, qual esquema de corrupção vão por na pauta [merendão,
trensalão do Alckmin, Furnas de Aécio por exemplo, não entram] e assim por
diante. Eles funcionam como partido político: o mesmo juiz que marchou nas ruas
com a direita pela manhã, mais tarde vai e solta uma “ordem” judicial contra a
posse do Lula ministro. O juizado é um partido de classe, nem polícia nem juiz
está ao lado da classe trabalhadora. O que o nada neutro Moro representa de
fato é um partido que procura impor não o “fora todos”, mas o “fora este
governo” e que “venha outro que acelere” a direitização da Dilma. (...) A
cruzada do juiz Moro, e a seletividade dos seus ataques, obedece a interesses
econômicos antinacionais e nada éticos. Daí o destaque midiático, daí tanta
musculação”. (Esquerda Diário, 19 mar. 2016)
Sobre
o papel de uma considerável fração da classe média brasileira, tendo a
concordar com Marilena Chauí: “é uma multidão com ódio e sem proposta”, é
racista, fascista e homofóbica, sem falar no incomensurável preconceito de
classe social. Como se fala muito nas redes sociais, se trata de uma classe
média que não aceita a abolição, não quer ver índios, negros, domésticas e
camponeses nas universidades, aeroportos, e outros lugares, tradicionalmente,
ocupados por uma elite. Essa fração da classe média, em 1964, andava pelas ruas
desfiando um rosário e entoando o discurso ideológico “Deus, Pátria e Família”.
Agora, trocaram o rosário pelas panelas, vivem a batê-las das sacadas de
glamourosos apartamentos na zona nobre das cidades e comendo filé mignon em
frente a FIESP, embora permaneça o discurso de extrema direita “Deus, Pátria e
Família”. Não sabe essa classe média que o projeto do impeachment é um projeto
do grande capital para sair da crise econômica e que ela também será
prejudicada caso esse projeto seja vencedor. Na boca voraz e faminta da
burguesia entra todo alimento da economia e não sobrará muito para a classe
média, muito menos ainda para a classe trabalhadora.
Para
concluir, gostaria de conclamar os companheiros e companheiras que se juntam
nesse ato em defesa da Democracia, para que continuemos firmes na luta por uma
Democracia participativa e com inclusão social e que, façamos a crítica ao
governo Dilma no que concerne as suas políticas econômica, fiscal, trabalhista,
educacional, agrária, que vem desmontando o serviço público; abrindo caminho
avassalador para as privatizações e terceirizações; que veta a auditoria da
dívida pública; que não taxa as grandes fortunas; que não titula terras
indígenas, quilombolas e de acampados; que retira recursos das universidades
públicas para jogar para o capital multinacional privado via FIES; que sinaliza
com uma reforma previdenciária que aumenta ainda mais a idade da aposentadoria;
que faz acordo com os tucanos para entregar o pré-sal; portanto, não basta
lutar pela sustentação do governo, mas os movimentos vermelhos de esquerdas que
garantiram sua vitória no segundo turno e que podem ser a única possibilidade
de aniquilar o impeachment devem, também, disputar o governo com o
empresariado, os latifundiários e os banqueiros. O governo nos deve muito esse
apoio de ruas e de urnas, pois ainda somos fieis em tempos sombrios e o governo
parece trabalhar com essa nossa fidelidade, contra nós. A luta de classe deve
ser permanente, com ou sem o golpe, sob o risco de apenas manter a presidente,
ou trocar de presidente, e só.