domingo, 4 de junho de 2017

O PARQUE... QUE (ERA) DO POVO?

Prof. Dr. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)

Quando Ronaldo Cunha Lima e seu grupo inventou uma tradição megalomaníaca para Campina Grande, não obstante, suas vinculações maiores estarem assentadas nas preocupações mercadológicas, na indústria do turismo e na legitimação ideológica do poder oligárquico de sua vasta parentela, o espaço significado por eles como “PARQUE DO POVO”, ao menos não fazia muita distinção social no tocante à recepção e circulação de pessoas sobre a área destinada para se dançar forró no meio da rua.
Como historiador, me sinto na obrigação de analisar a invenção das tradições a partir do diálogo com a ideologia, portanto, trocando algumas ideias e buscando inspirações na obra do grande Eric Hobsbawm no cotejo com seu livro A invenção das Tradições. Embora enfoque no nome a dimensão universal/cosmopolita, o “MAIOR SÃO JOÃO DO MUNDO”, foi inventado como tradição local, definidora de uma campinidade, uma identidade construída por oposição a caruaruanidade, a disputarem no interior do Brasil quem fazia a maior festa do planeta. O certo que o grupo Cunha Lima criou uma festa política, um palco no qual não sobem apenas artistas da sanfona, mas atores do poder. É verdade que nem sempre o teatro político garante a hegemonia, pois às vezes as imagens luminosas são ofuscadas por vaias, como as que Cássio golpista recebera em 2016 da boca de uma multidão no “PARQUE DO POVO” que seu pai criou para sua família apenas triunfar. A criatura se rebelou contra o criador, ao menos por algum momento. É verdade também que nem sempre a continuidade do poder oligárquico por meio do espetáculo é assegurada, se assim o fosse, Ronaldo não teria visto os Vital do Rego roubarem a cena, o palco e a festa por 8 anos. Entretanto, a oligarquia Cunha Lima voltou à prefeitura de Campina Grande e ao palco do “PARQUE DO POVO”, com Romero Rodrigues dando continuidade a festa criada por Ronaldo Cunha Lima.
Acontece que Romero continua e descontinua a festa. Muda para pior. Continua uma festa política e mercadológica em sua essência, para alimentar a indústria do turismo, a rede hoteleira, as empresas de bandas e o monopólio da AMBEV. Isso mesmo: em pleno neoliberalismo, onde as elites econômicas e políticas festejam a liberdade econômica, no “PARQUE DO POVO” impera o monopólio e você é obrigado a tomar apenas cerveja Skol, conforme ouvi ontem à noite da boca de vários donos de barracas. Segundo testemunho deles, esse protecionismo da prefeitura decorre do fato de uma única marca ser a patrocinadora da festa, cerceando, assim, o gosto do consumidor de cerveja que não tem escolha concreta a fazer até na hora de beber uns goles. Manda quem tem dinheiro, portanto, a iniciativa privada.
Para piorar a situação, a geografia simbólica do setor norte do “PARQUE DO POVO”, se transformou na cara da nobreza. Ao centro da vasta área, colocaram um gigante palco que, a meu ver, roubou espaço dos forrozeiros arrastarem o pé e ainda dialoga para frente com a classe dominante que se hospeda, privilegiadamente, em camarotes privados no parque que é público e cuja festa é custeada com recursos públicos. Ao centro, a clássica pirâmide que, ao contrário dos suntuosos túmulos faraônicos egípcios, abriga o “xerém” dos “desclassificados”, aos olhos das elites, que fazem questão de se manterem à distância nos seus enclausurados camarotes. No extremo sul, restam algumas barracas menos sofisticadas e um palco, nitidamente, destinado para o tal “POVO”. E ainda sobraram dos tempos mais antigos, a réplica da catedral e do famoso cabaré Eldorado, pelo menos nesse lado de cá, ainda se pode rezar e trepar, ao menos simbolicamente na imaginação.
Pois bem, se foi embora os tempos de outrora. Sumiram as barracas de palha de coco dos anos 1980, o grande número de ilhas de forro dos anos 1990 e até os tradicionais forrozeiros nordestinos foram trocados por sertanejos e padres que vivem a fazer verdadeiras missas cantadas no suposto laico “PARQUE DO POVO”.
Em nome da lógica do privatismo, temo que até o “PARQUE DO POVO” se parta no meio e a festa “maior do mundo” se transforme em duas, uma para pobres e outras para ricos, em bairros diferentes. Em tempos de fascismos, não é de se espantar em falar de segregacionismo.



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