quarta-feira, 30 de maio de 2012

AULA INAUGURAL DO SEMESTRE 2008.2: RECEPÇÃO AOS FERAS DA UEPB




José Luciano de Queiroz Aires

A cada dia que passa a vida me leva a coisas desafiadoras. Nunca pensei que me dariam o mérito da confiança e ao mesmo tempo da responsabilidade de dizer algumas palavras para os feras do curso de História da UEPB. Eis que me deram e aceitei com imenso prazer, embora temeroso em função da importância a que me incumbiram.
Imediatamente pensei: “Meu Deus o que vou dizer a esses meninos e meninas?” Dizer apenas “sejam bem vindos e bem vindas” é muito pouco, aliás, é pouquíssimo. É preciso refinar a oratória, ser otimista e fazer da palavra um convite decorado com os signos emblemáticos de nosso curso de licenciatura em História. Vou tentar, se não conseguir peço perdão; se conseguir, fico feliz.
Gostaria de iniciar prloblematizando a nossa identidade enquanto profissional de História. É preciso que estejamos sempre fazendo a nós mesmos perguntinhas do tipo: o que é ser historiador nesse início de século? Por que estudar história? Onde estão os sentidos dos passados?
Essas indagações não são simples de serem respondidas, uma vez que envolve uma complexidade dada às variedades de respostas e dos lugares sociais de quem ousam respondê-las. Portanto, tenho consciência do lugar de onde produzo essa narrativa e as tentativas de respostas aos questionamentos acima propostos, tem imbricamentos relevantes com esse lugar.
Todos nós aqui temos uma formação inserida no bojo do paradigma da modernidade. A escola moderna tem sido um dispositivo disciplinador, como quer Foucault, ou um aparelho ideológico de Estado, como sugere Gramsci e Althusser, levando em considerações as diferenças entre os dois marxistas. Ou ainda, a educação escolarizada moderna é bancária, como sugere Paulo Freire, centrada no professor “dono” do saber e depositário de imenso poder e no aluno “passivo”, “mente vazia” que vem à escola preencher de conhecimento científico produzido pela academia. Centrada ainda em avaliações tradicionais e métodos de memorização mecânica.
A História enquanto ciência moderna, “Positivista”, enfadonha, linear e evolutiva, de sujeitos individualizantes e elitistas e baseada em documentos escritos e oficiais, se constituiu enquanto disciplina escolar em 1838 e de lá pra cá nunca mais saiu do currículo escolar. Foi uma disciplina das mais vigiadas, como nos lembra Marc Ferro, e útil à legitimação dos nacionalismos, dos regimes político-ideológicos, do paradigma eurocêntrico que ao passo que “normalizava” o europeu, masculino, heterossexual, cristão e burguês, “anormalizava” quem ai não se encaixasse.
Na História do Brasil, por exemplo, o ensino de História já buscou legitimar a Monarquia, a República, o nacionalismo fascista de Vargas, o populismo e desenvolvimentismo da dupla Vargas-JK, respectivamente, e da doutrina de Segurança Nacional do regime militar. Já foi utilizada para legitimar a religião católica, demonizando, por exemplo, as religiões e religiosidades afro-brasileiras. Já foi utilizada para legitimar o paradigma do patriarcado, excluindo as mulheres como sujeitos da História. Já foi utilizada objetivando mostrar o homem branco descendente de europeu como o agente da “civilização” ao passo que os índios e negros eram considerados “selvagens” sem almas. Já foi utilizada para legitimar a família patriarcal e heterossexual de modelo cristão, relegando aos planos da “anormalidade” e da desrazão os homossexuais e outras tipologias de familias.
E hoje, após o regime militar e o advento da democracia o que se pode esperar da História e do ensino de História? E pensando no contexto internacional, em plena era da globalização e do neoliberalismo, o que se pode esperar da História e do ensino de História?
Entendo que, embora vivamos uma crise de futuro, de projetos e utopias coletivas, de pleno mergulho na sociedade de consumo, midiatizada, tecnologizada e veloz, ainda precisamos fazer da História e do seu ensino um contra discurso hegemônico ao capitalismo, não obstante termos consciência de que a educação atualmente está estritamente indissociável do mercado de trabalho. Mas pior do que isso é fazer um discurso cultuando o modelo de sociedade que aí está como a perfeição que a humanidade podia atingir. Igualmente pior é não fazer o contra discurso, pois, implicitamente acaba caindo no primeiro exemplo, mesmo que indiretamente, pois não se objetiva formar um cidadão com visão crítica de mundo, no sentido de classe mesmo.
Pensando pela ótica da diversidade cultural, a História e seu ensino que durante muito tempo buscou construir uma identidade nacional unívoca, coesa e harmoniosa, como quis, por exemplo, Gilberto Freyre, para o Brasil, precisa hoje pensar não no brasileiro, mas nos brasileiros diversos, portadores de identidades diversas, de religião, classe, raça e etnia, idade, gênero e sexualidade, região, etc. Por esse prisma, trata-se de estudar a construção das identidades no plano cultural e social, desnaturalizando-as. Dessa forma, pensamos a historicidade das identidades, as negociações e o os conflitos inerentes a uma sociedade cada vez mais complexa, que está para além da luta de classes. As escolas e o ensino de História, pensando na diversidade cultural, devem cuprir um grande objetivo geral para seu ensino, isto é, a luta pelo reconhecimento das identidades dos excluídos da história pelo paradigma moderno, a cidadania cultural, na qual o Outro é apenas diferente de mim, nem melhor, nem pior. Ao mesmo tempo, ainda pensando pelo ângulo da diversidade cultural, podemos reafirmar um outro contra discurso ao discurso único da globalização que procura homogeneidade cultural a partir dos Estados Unidos.
Estudar História não tem sentido pragmático, mas vale muito pela constituição de nossas subjetividades e identidades. Vale pela criticidade que o mesmo permite, pela visão de mundo que o currículo pode nos presentear, relativizando, evidentemente.
Eu mesmo tive minhas subjetividades ressignificadas com o curso de História na UEPB nos anos 1990. Entrei Católico Apostólico Romano e saí quase ateu. Entrei como filho de uma família política tradicional, dos tempos do PDS e da extrema direita e saí pendido pela esquerda, votando em Lula desde 1989 e sendo tachado no interior de admirador de grevista “baderneiro”. E confesso: o rótulo que hoje mais me agrada e escuto isso de amigos e família, é o de louco. “Todo historiador é doido”, já ouvi tanto isso que já me assumi inteiramente louco. Louco porque não vai a missa, porque gosta de músicas “doidera”, por que briga pelos seus direitos, não acredita na existência do céu em cima e do inferno embaixo; Fizeram isso comigo, graças aos marxistas que andavam por aqui e para lembrar a professor Martha Lúcia, nos tempos em que a teoria funcionava.
Voltando à questão da nossa identidade de historiador. É de fundamental importância que lutemos pelo reconhecimento oficial de nossa profissão, não apenas como uma mudança de nomenclatura, e sim, um redimensionamento das políticas públicas de valorização do magistério nesse país. O professor não pode ser pensado separado do pesquisador, precisamos romper com a velha dicotomia que confere à universidade a produção do conhecimento e às escolas a sua transmissão. Nas escolas também se produz narrativas históricas e os professores/pesquisadores precisam de tempo e investimento para sua formação continuada.
Nesse sentido, o curso de Licenciatura Plena em história da UEPB, pensa um projeto pedagógico que visa formar esse perfil de um historiador professor/pesquisador. Discordo, plenamente, das universidades que ainda separam os cursos de licenciatura dos de bacharelados, pois devemos pensar no lócus, por excelência da nossa atuação profissional, ou seja, as escolas.
Sejam todos bem vindos, a casa é nossa. Aproveitem todos os momentos da estadia que aqui vão fixar. Espero que possamos contribuir com o debate historiográfico, que possamos construir e socializar conhecimento histórico e que o desenrolar desse processo seja gratificante para todos.
Sintam-se em casa!

Obrigad0.

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