Prof. Dr. José Luciano de Queiroz Aires
A
greve é uma instituição política inventada durante a Modernidade, mas ainda um
importante instrumento da luta de classe na Pós-Modernidade. Até que se prove o
contrário, outros tipos de enfrentamentos, embora necessários, não substituirão
o movimento paredista a ponto de minar sua existência. Pelo menos, não agora. Igualmente importantes e necessários, são os
sindicatos da classe trabalhadora na qualidade de instituições representativas
de uma luta coletiva contra o capitalismo e os interesses das várias frações
burguesas de classe. Enterrar a greve e o sindicato no túmulo do passado, como
algo superado no tempo, em favor do novo que ainda não nasceu nem sabemos como
será, significa assinar o atestado de óbito de experiências vitoriosas de lutas
coletivas no âmbito do movimento sindical.
O
ANDES-SN é exemplo desse movimento sindical classista, democrático nas decisões
(sempre consultando as bases) e combativo, isso porque não expressa a velha
tradição corporativista da Era Vargas, mas atua na linha da autonomia em
relação ao aparelho de Estado. Entretanto, outros sindicatos, centrais
sindicais e movimentos sociais, estudantis e populares, optaram pelo
“peleguismo” e, desde a chegada do PT ao governo brasileiro, trocaram a linha
de frente do combate classista pelo aparelhamento na burocracia estatal, sempre
alisando no pelo dos governos Lula e Dilma. Talvez, essa cooptação seja um dos
fatores fundamentais que impossibilitam a construção de uma greve geral no
país. Defender o mandato da presidente passou a ser a bandeira mais importante
nesse difícil ano de 2015.
Nesse
sentido, defendo que a greve construída no âmbito do Fórum dos Servidores
Públicos Federais e, particularmente, no setor da Educação (ANDES, SINASEFE,
FASUBRA, ANEL e oposição de esquerda da UNE), foi mais do que necessária e
oportuna. No contexto de um mandato presidencial que foge, completamente, a
linha ideológica prometida no debate da campanha e que trai os segmentos de
esquerdas que foram decisivos no 2º turno, não resta outra coisa, a nós, senão
parar as universidades e tentar parar o país. Quando deflagramos a greve,
acusavam-nos de tentar desestabilizar o governo e de que o ajuste fiscal era
algo inelutável, como uma estrutura de rocha na qual os sujeitos grevistas
iriam bater a cabeça e quebrar a cara. Contra esses argumentos eu diria: não somos
e não fomos nós quem desestabilizou o governo, mas os próprios caciques que
andam diariamente no interior do Palácio do Planalto; e mais, partir numa luta
com certo fatalismo e ceticismo não é o mais recomendável, o fazer-se da classe
se dar na experiência da luta e o futuro é incerto, mesmo avaliando a
correlação de forças desvantajosa para nós trabalhadores. Por isso, melhor
lutar jogando a cabeça na rocha dura do capital, do que se conformar com um status quo vigente que governa para o
grande capital financeiro, empresarial e agroexportador.
Fizemos
nossa parte. Durante três meses paramos para discutir a universidade que
queremos, fomos às ruas e as praças, gritamos na frente e no interior da
reitoria, ocupamos o gabinete do Ministro da Educação. Somos poucos, mas
corajosos e audaciosos, conscientes da importância da defesa de um projeto de
universidade pública, gratuita e laica, uma universidade que se expanda para o
acesso e a permanência de pobres, negros, índios, camponeses e não o projeto
privatista do governo federal com o aval dos reitores que preferem a
terceirização, a precarização das condições de trabalho, o fim da gratuidade de
alguns cursos no interior das universidades públicas e os cortes no orçamento
público destinado a educação. Muito mais do que apenas reposição salarial (que
um direito constitucional que conquistamos), reestruturação da carreira,
autonomia universitária, paridade entre ativos e inativos, nosso grito em 2015
foi contra o FIES, contra a privatização, contra o desmonte do serviço público,
contra o ajuste fiscal e cortes de verbas, contra o fim de projeto como o PIBID
e PET. Nesse particular, avalio como positiva nossa participação, mesmo sendo
vozes isoladas no interior das universidades. Nós enfrentamos os gigantes do capital,
o Estado Burguês e os reitores complacentes, não é uma luta fácil, mas
importante e necessária.
Por
outro lado, passados quatro meses de greve, considero que fomos derrotados
nessa batalha, o que não significa perder as esperanças de continuar o combate
e construirmos outras batalhas. E perdemos por várias razões que gostaria de
mencionar: a) O governo não dialoga com nossa pauta setorial, o ministro da
Educação sequer nos recebeu para o debate; nosso projeto de universidade
diverge do projeto governista, pois enquanto este retira verbas das
universidades públicas repassa milhões via FIES e Prouni para os grandes grupos
empresariais que mercantilizam a educação; b) quanto mais a greve se estendia,
mais o governo caminhava na contramão do lado da classe trabalhadora. Vieram
mais cortes, inclusive na pós-graduação ao passo em que a Agenda Brasil e o
ajuste fiscal foram sendo acionados sinalizando com mais impostos, mais
retirada de direitos trabalhistas e mais criminalização de movimentos sociais e
repressão; c) o MEC não tem autonomia, quem define tudo é o MPOG e o Ministério
da Fazenda, os ministérios do ajuste e dos banqueiros; d) no interior da nossa
universidade não contamos com o apoio da administração central, tivemos que
fazer pressão para o reitor abrir as contas e mostrar o impacto dos cortes,
isso sem falar que várias reuniões de câmaras foram convocadas a revelia do
comando de greve, o que demonstra um desrespeito para com as categorias em
greve; e) tivemos que gastar tempo com fura greve, profissionais que não
respeitaram as deliberações democráticas da Assembleia e insistiram em
trabalhar e nos dá trabalho; f) muitos companheiros que votaram em favor da
greve não formaram conosco no comando local de greve, reforçando o esvaziamento
da luta e a sobrecarga de atividades para poucos militantes; g) muitos
estudantes desqualificaram, vergonhosamente, os professores sindicalistas,
expressando uma fraseologia de triste memória a denominar-nos de “vagabundos”;
h) esses argumentos anteriores, significa que no interior das universidade
ocorre também o desmonte de um pensamento crítico e uma visão de mundo
coletiva, conduzindo a maioria dos estudantes e professores a abraçarem a
ideologia neoliberal da fragmentação, do individualismo, da competitividade e
do conformismo.
Por
essas e outras, entendo que chegar a quatro meses de greve apenas com uma
proposta governamental de um índice de reajuste salarial muito abaixo da
inflação é a derrota da classe trabalhadora e da universidade pública e a
vitória do capital financeiro e empresarial que engorda suas contas por dentro
do aparelho de Estado. A luta de classe é sempre desfavorável para os
trabalhadores, pois os lugares políticos e sociais ocupados são assimétricos e
ainda temos que contar com as fissuras e conflitos no interior da luta docente,
por exemplo. Dividir para reinar é a lógica do governo. E muitos professores e
estudantes têm caído nessa lógica fazendo a briga errada.
Para
finalizar, gostaria de agradecer a tod@s @s estudantes que se juntaram a nós
nessa luta, o movimento estudantil é brilhante, vigoroso e aguerrido e tem
muito a contribuir nas trincheiras da resistência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário