Prof. Dr. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)
Como
é fácil ficar em casa, trancafiado em gabinetes confortáveis, lendo a conjuntura
a partir de vídeos, textos e reportagens jornalísticas. Ou fazendo juízo de
valor apressado e generalizante de um amplo e complexo movimento que sacudiu o
país e afetou a economia, a sociedade e a política brasileiras por nove dias.
Quando
o movimento começou, estava na organização do Seminário sobre os 200 anos do
nascimento do grande Karl Marx, realizado na UFCG. Na oportunidade já tentávamos
entender a natureza ideológica do movimento de caminhoneiros, sua pauta
política, a forma de organização e negociação, a suposta heterogeneidade do
mesmo e sua inserção na conjuntura do golpe de 2016 e da politica de preços de
combustíveis aplicada pela PETROBRAS. Em um evento sobre Marx, nada melhor do
que perguntar qual o papel da esquerda em tomar partido diante desse movimento
que colocou o país em crise ainda maior?
O
seminário terminou e os movimentos sociais, populares e sindicais ainda tentavam
fazer uma melhor leitura da conjuntura para fazer uma boa intervenção política
na realidade histórica do presente. As redes sociais pulverizavam uma gama de
informações de que se tratava de um movimento conservador, apoiado pela extrema
direita, ostentando faixas pedindo intervenção militar. Para algumas leituras,
apoiá-los significaria por mais lenha na fogueira do golpe e apressar a chegada
da República da Espada antecipando as urnas de outubro. Para outros, o movimento era
apoiado por setores do agronegócio, dos postos de combustíveis e das grandes
transportadoras, portanto, trabalhadores “sendo manipulados pelos seus patrões”,
sem independência classista, o que não justificaria a aproximação de nós que
nos autodenominamos de esquerda com esse tipo de “movimento burguês” lutando
pelo fim de alguns impostos e por subsídios para o óleo diesel.
Na
contramão dessas leituras mais generalizantes, algumas eu diria até sectárias,
algumas entidades de movimentos sociais, sindicais e populares de Campina
Grande decidiram atuar junto aos caminhoneiros nas estradas onde estavam os
bloqueios. E na segunda feira, 27 de maio, fizeram um ato de solidariedade aos
mesmos na histórica Praça da Bandeira com ampla participação, não obstante a
chuva que caía. Os caminhoneiros falaram. Os intelectuais acadêmicos e organicamente
vinculados a partidos, sindicatos e movimentos sociais escutaram e aprenderam
com a voz da experiência de trabalhadores autônomos que movimentam cargas por
essas estradas do Brasil em precárias condições de trabalho, vivendo à mercê de
empresários que os contratam em condições extremamente desvantajosas. Como nos
ensina o historiador Edward Thompson, precisamos ouvir “os de baixo”, suas
experiências de lutas, suas expectativas, suas leituras de mundo.
Quero
com isso dizer que, o movimento dos caminhoneiros é heterogêneo e mais complexo
que pensamos. Uma boa parte das cargas transportadas no país é feita por esses autônomos,
cujos interesses não correspondem necessariamente na mesma direção do que
negociou a fração burguesa com o governo golpista. Por isso continuaram nas
estradas e, não à toa, o movimento se fortaleceu com o anúncio da greve dos
petroleiros. Nessa linha, entendeu setores da esquerda que deveria sair da analise
de conjuntura e atuar junto ao movimento, dialogar com os sujeitos históricos que
estavam parando o Brasil. Entendeu-se que o mais interessante era disputar o
movimento com a extrema direita que estava colocando faixas nos caminhões
pedindo a intervenção militar, disputar ideologicamente os próprios
caminhoneiros que tivesse um entendimento que a solução seria uma saída militar,
fazer a filosofia da práxis, o encontro entre o pensamento elaborado pelos
especialistas e o senso comum, fazer guerra de posição, para andar com os
cadernos de Antônio Gramsci debaixo de braço e pôr suas lições em pratica. Ou é
melhor deixar os bolsonaristas de verde amarelo ganhar o movimento e ficarmos
de braços cruzados esperando atuar apenas em uma luta “autenticamente
revolucionária”? Voltando ao historiador Edward Thompson, a classe não e uma
coisa ou uma estrutura, ela se faz na história e faz história e seu fazer-se é
na experiência da luta que resulta na construção da consciência de classe.
Parece que alguns intelectuais gostariam de militar apenas em um movimento que
encontrasse a classe pronta, feita, acabada, com projeto “autêntico” e dali
chegariam as vanguardas para apertar o botão do relógio e começar a revolução
socialista. Ora, se temos algum caminhoneiro de direita ele não pode aprender
com a experiência de nove dias de lutas e adquirir nova consciência? A julgar
pela forma como a greve acabou, com o braço armado do Estado, com os militares
metendo o cassete para cima deles, provavelmente aprenderam que os militares
não estão do seu lado.
Essa
história ainda está aberta. Porque em plena crise, o governo aumenta o preço da
gasolina. A questão é maior do que pensamos. É a política de preços do tucano
Pedro Parente, do entreguismo e da privatização da nossa metade estatal
Petrobras. E o pré sal.
É a soberania nacional,
estúpido! Enquanto você fica na fila do posto por mais de doze horas para
comprar gasolina!
Eu não me arrependo de
ter apoiado
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