quarta-feira, 30 de maio de 2012

“PT PAGOU COM TRAIÇÃO, A QUEM SEMPRE LHE DEU A MÃO”!!!!!!!!!



José Luciano de Queiroz Aires

A escritura desse artigo, para mim, é bastante dolorosa. Isso porque, aos 20 anos de idade (1994), mesmo sem ser petista filiado eu já era um petista apaixonado, um jovem que entrara no curso de História da UEPB que acreditava na mudança das estruturas políticas e socioeconômicas desse país e, por isso, votara em Lula e Dilma. Vibrei bastante em 2002 quando Fernando Henrique Cardoso passou a faixa presidencial ao primeiro operário Presidente da República e, mais ainda, quando o operário repassou a faixa verde amarela para a primeira mulher a ocupar esse cargo. Hoje, meu sentimento é outro, é de desilusão com a “nossa Democracia” e de descrença nos partidos políticos, uma posição anárquica parece saltitar dentro de meu peito. E como dói dizer isso, mas é preciso ser um eleitor/cidadão autocrítico, para não tapar o sol com a peneira.
Estive em Brasília, dia 28 de março, participando da Marcha dos funcionários públicos federais que se dirigiu ao Ministério do Planejamento a fim de pressionar o governo no sentido do atendimento de uma pauta de reivindicações. Do encontro entre os sindicatos representantes da classe dos funcionários federais com Sérgio Mendonça, representando o governo, ouviu-se um NÃO para qualquer possibilidade de reajuste salarial para 2012. Dos sete pontos constantes na pauta, apenas três foram discutidos, fazendo com que o governo remarcasse uma nova audiência para o dia 24 de abril, apostando na desmobilização de nossa categoria.
Enquanto isso, eu direcionava olhares para Brasília e como historiador só lembrava as leituras de história brasileira republicana que faço desde os tempos de graduação. Minha primeira vez na capital da República tangia meus olhos para apreciar a arquitetura modernista de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, talvez aquilo que mais me agradou como marinheiro de primeira viagem perdido no meio do centro político do Brasil. Assim, depois do NÃO do governo, fomos ao Congresso Nacional participar de uma discussão sobre Fundo de Previdência Privada para aposentadorias de funcionários federais. No auditório Senador Petrônio Portela, muitos palestrantes estudiosos do assunto explicavam-nos as desvantagens desse projeto de lei já sinalizado em 1998 por FHC e agora enviado ao Congresso pela presidente Dilma Rousseff. Os oradores ressaltavam que em outros países como Chile, Argentina e Estados Unidos, o fundo de previdência privada não só faliu como apenas funcionou no sentido de favorecer o grande capital financeiro privado (banqueiros) que dele procura tirar proveito. Falou-se tanto em Karl Marx e no capitalismo que lembrava alguns colegas historiadores que falam da “falibilidade” do materialismo histórico. Nunca vi Marx tão atual como naquela hora.
Perto do fim da tarde houve um comunicado de que, às 18 horas, o Senado Federal votava o referido projeto. Cogitou-se que deveríamos nos deslocar para as galerias da “nossa Casa” a fim de pressionar os senadores na hora do voto à matéria. Nossa!, nunca vi tantos restos autoritários, tantos pedaços de ditadura militar diante de nossa frente. De modo que, ao entrar no Senado Federal, pela primeira vez, meu sentimento era o de que “nossa Democracia”, tão decantada como consolidada, não passa de uma farsa, de um teatro político como denunciou Roger Gérard-Schwartzenberg para a Europa do pós II Guerra. Faço questão de rememorar alguns encalços autoritários que estiveram à nossa frente.
Para inicio, nós do ANDES subimos as escadas do Congresso Nacional vestindo camisa e portando um boné com a simbólica cor vermelha. E daí em diante não houve como não lembrar o texto Vigiar e Punir, do filósofo francês Michel Foucault. Diante de nossa frente estava uma engenharia vigilante, um poder disciplinar, intitulada de Polícia do Senado. Depois de muita burocracia para ter acesso às escadarias que nos levavam às galerias do Senado, fomos, literalmente, proibidos de entrar naquelas dependências. A polícia e os funcionários olhavam-nos como supostos “baderneiros”, perturbadores da ordem pública, justificando que não poderíamos mais entrar no Senado por que já passavam das dezessete horas. Entretanto, o caldo foi engrossando, mais professores foram chegando, fizemos uma pressão até conseguir adentrar na nossa “própria Casa”. Quando chegamos ao recinto, muitos senadores já haviam se manifestado a respeito da matéria e, em pouco tempo, assistíamos “nossos representantes” aprovarem uma privatização da previdência do servidor público federal.
Mas, afinal, ainda deu tempo para lembrar as leituras da teatralização do poder que fiz, recentemente, na minha Tese de Doutorado. Com alguma alteração na geografia simbólica, em cima, estávamos os sujeitos mais interessados na matéria (pelo menos, do ponto de vista de uma cidadania para os trabalhadores no futuro), engaiolados num poleiro, impotentes, vigiados, passiveis de punição, com direito de expressão, de certa forma, cerceado. Lá embaixo, estavam “nossos representantes”, munidos de muitíssimo mais poder do que nós. E do pouco que deu para ver, PT e PSDB abraçados, irmanados na defesa do projeto, brigando apenas pela paternidade da criança. Os petistas e peemedebistas, base da Presidente, festejavam a matéria chegando a dizer que, com sua aprovação, corrigia-se o déficit da Previdência Social e o governo poderia reajustar, com mais facilidade, o salário dos funcionários. Que maravilha!!!!! O PSDB, por sua vez, chamava o pioneirismo para si, enaltecia a iniciativa de Fernando Henrique, barrada, segundo eles, em 1998, pela então oposição petista. Foi isso que ainda ouvi do discurso do paraibano Cássio Cunha Lima que se pronunciou, favoravelmente, ao projeto, agora enviado pelo governo do PT.
O tempo todo olhava para o placar eletrônico, especialmente para os nomes dos paraibanos Cássio Cunha Lima, Vital do Rego Filho e Cícero Lucena. Até que chegou a hora da votação. O senador Rondolphe Rodrigues (PSOL), que havia solicitado votação nominal sumiu do plenário e, por isso, a votação não ocorreu conforme o mesmo havia solicitado, para a tristeza de alguns colegas simpatizantes do PSOL que tanto confiaram no mencionado senador.
Continuemos falando dos encalços autoritários. Não podíamos entrar no Senado de boné, um símbolo das lutas operárias desde o século XIX que ainda assusta a burguesia engravatada de nosso país. Não podíamos portar aparelho celular (por que será?), mas José Sarney, em plena condução de presidência dos trabalhos, falava o tempo todo ao celular. Não podíamos conduzir máquinas fotográficas, nem registrar nada por escrito, pois isso cabe a grande mídia e a imprensa oficial do Congresso nacional. Não podíamos, de modo algum, se manifestar nas galerias. Isso estava escrito à frente das poltronas que estávamos sentados. É que o “povo” não pode nada, nem deve querer poder, pois isto é confiado aos parlamentares que tudo pode em nome da representação do “povo”.
Porém, como nos ensina Michel de Certeau, ao poder disciplinar e vigilante correspondem táticas de resistências sutis, pequenas revoluções cotidianas que, pelo ângulo do não lugar, se contrapõe às estratégias. Começamos, então, a usar a linguagem gestual, ela também portadora de significados e códigos. A cada discurso de apoio à matéria, gesticulávamos com o polegar declinando para baixo, diante de tantos chamados de atenção pela campainha do Senado e pela sua polícia. Quando a matéria foi aprovada, passamos da mímica para o canto e, em coro, levantamos e saímos cantando: “PT PAGOU COM TRAIÇÃO, A QUEM SEMPRE LHE DEU A MÃO”. A essa altura, a campainha da casa não parou de tocar, o senador que estava discursando, deu pausa a sua oratória, enquanto nós, professores universitários, éramos advertidos por uma mesa composta por José Sarney e Renan Calheiros. Que tristeza!!!!!!
Para finalizar os encalços ditatoriais, pedia um colega para fazer uma fotografia sentado na rampa do Congresso e o resultado foi  que a guarda chamou a polícia, de maneira que, enquanto eu posava diante do simbólico Parlamento da “Democracia” brasileira, chegava uma viatura da polícia para tirar minha bunda de cima da “aurática” rampa, aparentemente intocável e sagrada. Que decepção!!!!!! Volto à Paraíba, volto à universidade muito decepcionado, desencantado, mas bastante crítico.
Primeira crítica, ao PT. Quando Lula se candidatou em 1989, 1994 e 1998, seus cabos eleitorais, em grande maioria, éramos nós no interior das universidades. A base eleitoral do PT era a classe média, notadamente, segmentos intelectualizados encantados pelo discurso esquerdizante e pela proposta revolucionária assentadas no projeto político encabeçado pelo ex-operário do ABC Paulista. Em 2002, 2006 e 2010, O PT já não era o mesmo, e isso não é grande novidade para nós. Aliou-se com o grande capital e com as tradicionais oligarquias, selando acordos políticos, por exemplo, com José Sarney e José de Alencar. Só assim chegou ao governo. Manteve níveis históricos de popularidade tendo nos projetos sociais (isso não se pode tirar o mérito), o braço direito propulsor dos índices de aprovação nacional. Entretanto, não devemos obscurecer que os governos Lula e Dilma continuam a política neoliberal iniciada por Collor e sedimentada por Fernando Henrique. Há um grande comprometimento com o grande capital nacional e internacional, a exemplo do projeto que vi o Senado aprovar, criando previdência privada. Não resta dúvida, estamos retroagindo no tempo e perto de perder as conquistas trabalhistas que os trabalhadores do passado tanto lutaram para conseguir. Resultado: dessa viagem a Brasília o PT perde não apenas um eleitor, como também um cabo eleitoral, e ainda ganha um crítico, na sala de aula e na escrita de meus textos. Pelo menos, essa é minha posição atual. Para a conjuntura atual. A burguesia que outras vezes apoiou Collor e Fernando Henrique, respectivamente, sai ganhando consideravelmente em relação a nós que estávamos sempre com Lula e hoje amargamos congelamento de salário e privatização da previdência.
Segunda crítica, a Democracia liberal burguesa. E quanto lembrei colegas, professores universitários, que tanto defendem esse regime político. Volto a ressaltar com Schartzenberg, a Democracia representativa é um engodo, é um teatro, o que não quer dizer alienante e, absolutamente, manipuladora de massas. Entretanto, inegavelmente, é um teatro que tem luz e tem sombra, que visibiliza/dizibiliza, mas também procura ocultar outros temas e personagens que atuam nos bastidores da política. No placo eles procuram brilhar, chamar atenção para si, galgar capital político/simbólico e econômico/social, legitimidade. Nos bastidores, “nossos” deputados e senadores, no geral, defendem a propriedade privada, a concentração de renda, a corrupção, o financiamento de campanhas, o oligarquismo político, as desigualdades de classe e de gênero e os preconceitos de orientação sexual e religiosa. Eles dizem isso quando sobem à tribuna (palco)? Isso não existe na cultura política brasileira? Não se pratica um pouco fora da iluminação do palco?
A maior ambuiguidade da Democracia representativa esteve diante de meus olhos na atitude do Senado. Nós, os trabalhadores, defendendo a não privatização da previdência. “Nossos representantes”, atuando na contramão, apenas demonstrava quem de fato eles representam. Ora, se é Democracia representativa, por que os parlamentares não ouviram seus representados? Pelo contrário, ignoraram, exceto, para chamar atenção no processo de vigilância e defesa da famosa ordem pública. Para mim, caía a máscara da Democracia representativa, uma vez que representados e representantes sequer conversaram, até porque diálogo mesmo deve ter ocorrido nos bastidores da política com os “reais” representados, a saber, os donos do grande capital.
É preciso dizer/fazer essa desconstrução discursiva da Democracia representativa. É necessário ler, estudar, pesquisar, criticar a respeito dos “nossos representantes” e seus papeis na politica brasileira. A biografia de cada um é, substancialmente, relevante e reveladora da sua atuação na política. Fazem-se, significativamente, imprescindíveis seguir os passos de “nossos representantes”, uma vez que eles pintam e bordam, muitas vezes sem nosso acompanhamento. Eles sabem que não são tanto (per)seguidos por nós, talvez por isso fazem/votam em Brasília tantas coisas que nós não nos esforçamos para querer saber. E assim, depois de uma semana de “trabalho” em Brasília, regada a luxo e ostentação de privilégios que os representados não têm, lá vêm eles às tão famosas bases eleitorais trazendo um quinhão retirado do milhão, dos “reais” representados que são os donos do capital. Não nos enganemos, o pouco que é colocado a serviço dos direitos sociais, esses, por sua vez, conquistados a duras penas pelos movimentos sociais, é uma pequena parte que nos cabe desse latifúndio, para lembrar a poesia de João Cabral de Melo Neto. O grosso da fortuna é dividido para a corrupção e para as classes hegemônicas dessa República que até ofende ao sentido etimológico do temo em latim. Afinal de contas, a maioria de nosso Congresso Nacional é composta por latifundiários ou por defensores do agronegócio, por isso, nunca se fez uma Reforma Agrária democratizante nesse país; por uma grande bancada religiosa defensora de uma hegemonia cultural cristocêntrica e de interesses materiais/financeiros que permeiam o campo das religiões majoritárias, por isso, não se legisla combatendo a homofobia e as corrupções daí decorrentes; por representantes da grande mídia privada, da política de concessões de canais de rádio e TV, por isso, tanto se embarga os projetos de rádios comunitárias que, em tese, devem está a serviço dos movimentos sociais e associações comunitárias. Isso apenas para colocar alguns exemplos.
Terceira crítica, aos partidos políticos. Essa crítica está interligada às anteriores. Hoje, me parece sem sentido falar de Direita versus Esquerda. Qual a diferença, em se tratando de projeto político/ideológico entre PSDB, PMDB e PT, para ficar apenas com os exemplos mais emblemáticos? Se há diferença, é mínima. Semelhantemente, defendem os interesses capitalistas, da grande propriedade privada, da reprodução do capital, de um certo fetiche pelo mercado, de uma desestatização dos direitos trabalhistas, resguardadas as pequenas diferenças conjunturais. As divergências partidárias ficam por conta muito mais das disputas de poder, por controles de ministérios, comissões de orçamento, e uma imensa quantidade de cargos na burocracia federal. Mantêm-se, em certo sentido, ainda a lógica implícita aos partidos do Império, no qual Oliveira Viana já dizia que “nada mais conservador do que um Liberal no poder, e nada mais liberal do que um Conservador na oposição”.
Quarta crítica, a alguns professores universitários. Muitos de nós, orgulhosos do título de Doutor, vivemos trancafiados no interior dos muros acadêmicos, arrotando teorias e colecionando vaidades. Insensíveis ao mundo lá fora, são intelectuais orgânicos, no sentido gramsciano, pois, indiretamente, legitimam a hegemonia de grupos e classes sociais privilegiad@s. Na universidade, conjuga-se o verbo sempre precedido pelo pronome possessivo a sugerir individualismo e competitividade, acompanhando as políticas neoliberais: MEU curriculum lattes, MEU artigo na revista internacional, MEU projeto CNPQ... Infindáveis MEUS, com o esquecimento total do NOSSO. Por isso, tanta coisa acontece à nossa frente e com a anuência da academia e seus doutores que vivem, meramente, a disputarem cargos e reproduzirem a cultura política do clientelismo. Com isso, quem agradece é o capital, uma vez que não teme mais os intelectuais que parecem quebrados na sua espinha dorsal com os abalos da queda do Muro de Berlin. Essa filosofia política não me agrada. O conhecimento científico já fora, demasiadamente, utilizado para favorecer o paradigma da modernidade racional-instrumental, o saber já cartografou, classificou, delimitou, incluiu, excluiu, estereotipou...  O saber, como instrumento de poder e ligado ao poder do Estado Nacional Moderno e do Imperialismo, como bem notara Edward Said, já serviu à dominação do homem pelo homem. E parece continuar a fazer isso, em grande medida. Para mim, o conhecimento deve está a serviço da vida, do ser humano em sua complexidade e horizontes de expectativas, dos herdeiros de projetos que no passado foram derrotados ou impedidos.



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