segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

PARA ROSA, COM CARINHO...




O tempo é a melhor expressão da vida, ele caleja nossas mãos, põe rugas na nossa face e muita experiência na nossa subjetividade. O tempo passa e, com ele, passamos juntos. Juntos com o tempo e, nele, juntos com os outros. Aprendemos a sonhar, a lutar, a ganhar e a perder. Ensinamos e aprendemos pelas estradas marcadas pela duração, “caminhando e cantando e seguindo a canção”; ora, com uma empostação vocal bastante afinada, ora, com rasgos de gritaria entortando a música a sair pelas gargantas revoltadas que cantam à História. O tempo também é um jardim de orquídeas, margaridas e rosas; jardim esse que precisamos regar com a água cristalina da vida e cuidar com o afeto que o artesão transfere da mente e do coração para as mãos cultas do ofício- (culto, no sentido etimológico de cultivar, de cuidar). O tempo, enfim, é a especificidade da História enquanto ciência e a matéria prima dos historiadores sobre o qual se narra. Mas as tessituras costuradas pelos filhos de Clio nem sempre seguem enredos progressistas e/ou revolucionários, já que alguns intelectuais costuram intrigas seguindo as “esquinas perigosas da História”, para lembrar o título sugestivo do livro de Valério Arcary.
Rosa Godoy expressa o que de melhor o tempo nos deu e o que de melhor o tempo lhe deu. Em 70 anos aqui conosco ela trabalhou bastante, deu aulas, orientou, escreveu, publicou e administrou a coisa pública com ética e reconhecimento pela comunidade acadêmica da UFPB quando da ocasião de ocupar uma pró-reitoria nessa instituição de ensino superior. Além disso, ou mesmo em função disso, pensou, respirou e praticou política o tempo todo. Se meteu em movimento sindical docente quando da fundação da nossa ADUFPB e foi uma militante orgânica junto aos movimentos sociais dos grupos e classes subalternas durante o período final da Ditadura Militar. Por isso mesmo, foi vigiada e fichada pelos órgãos da repressão daquele regime autocrático-burguês, conforme bela terminologia conceitual cara a Florestan Fernandes. Apesar de uma época difícil, na qual os marxistas já eram caçados, dentro e fora das universidades, Rosa fundou o Núcleo de Documentação em História Regional da UFPB que mais tarde faria nascer o Programa de Pós-Graduação em História que tem a mão de Rosa Godoy como uma das fundadoras.
Enfim, Rosa é o tempo do trabalho incansável que a tornou uma profissional querida pelo Brasil a fora. Saiu de baixo para desafiar o tempo institucional uspiano e mostrar que filha de classe trabalhadora do município de Jundiaí poderia trilhar o tempo, da graduação ao pós-doutoramento, na universidade que Vargas fez criar para formar as classes dominantes e integrar o Brasil nos quadros da chamada modernidade capitalista industrial. Ainda mais: a menina de Jundiaí um dia abraçou o corpo afetivo de Dona Leonor como que dissesse: “___ mãe, eu vou voar... No tempo... e no espaço”. Logo ela, que veio se doutorar estudando a espacialidade periférica do capitalismo desigual e combinado que pariu o progresso burguês na Região Sudeste vomitando restos de miséria sobre a regionalidade nordestina. E Rosa Godoy ainda aproveitou para responder a xenofobia às avessas da anti-paulistanidade de parte do Departamento de História da UFPB. Rosa deu um voo rasante na cidade de Cajazeiras para ministrar um curso de curta duração, mas bebeu a água paraibana e a cerveja sertaneja e, como uma bandeirante na contramarcha, rasgou a Paraíba inteira rumo ao litoral e veio residir, conviver e trabalhar na capital mais bela do mundo que fica, coincidentemente, na ponta mais oriental das Américas.
Rosa Godoy é aquela mulher que soube cultivar as relações interpessoais nesses 70 anos de vida e que, não por mera coincidência, veio comemorar sua maioridade junto ao G9 + e ao lado dos amigos e amigas que construiu na Paraíba. E nós que aqui estamos a festeja-la, direta ou indiretamente, sendo orientando de fato ou de direito, um dia passamos na sua residência no Bairro de Tambaú. Sábado, domingo ou feriado, não importava, lá estava Rosa sentada à mesa com um calhamaço de tese ou dissertação discutindo pagina a página com o orientando/amigo, fumando seu cigarro, tomando sua cerveja e discutindo o presente e o passado. E agindo politicamente no tempo presente, o tempo do historiador.
Mas Rosa não é apenas a profissional, a professora, a historiadora. É uma mulher corajosa, destemida, solidária, amiga. É a filha que soube acompanhar à mãe até a morte, mesmo à distância; é também a mãe genial da Lígia, a genitora que também desafiou a sociedade patriarcal, cristocêntrica e oligárquica paraibana e mostrou como o mundo deve ser plural e os modelos de famílias igualmente diversos. Sua filha hoje é a prova do quanto as duas juntas, ao lado da cuidadora e amiga Silvia, formaram um modelo perfeito de família.
Rosa é vencedora porque esteve sempre do lado certo da História. Chegou aos 70 com cabelos brancos e algumas rugas, é verdade, mas com uma jovialidade na alma de dar inveja a muitos. É uma menina! Uma flor no jardim desse mundo tão cheio de flores secas e murchas; uma rosa que à cada dia que o sol desponta no horizonte, fica mais viva, mais brilhante, e é por esse brilho irradiante que você, Rosa Godoy, faz o mundo ficar melhor.
Agora, aos 70, desejamos que você continue desafiando o tempo, enfrentando as intempéries, como sempre fez e que o tempo te reserve muito tempo de estadia nesse planeta maluco. Mas você faz diferença para nós!
Beijos dos amigos de Campina Grande! Feliz aniversário! Parabéns.