quarta-feira, 30 de maio de 2018

FUI À PRAÇA DA BANDEIRA À REBOQUE DE UM CAMINHÃO... E NÃO ME ARREPENDI

Prof. Dr. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)


Como é fácil ficar em casa, trancafiado em gabinetes confortáveis, lendo a conjuntura a partir de vídeos, textos e reportagens jornalísticas. Ou fazendo juízo de valor apressado e generalizante de um amplo e complexo movimento que sacudiu o país e afetou a economia, a sociedade e a política brasileiras por nove dias.
Quando o movimento começou, estava na organização do Seminário sobre os 200 anos do nascimento do grande Karl Marx, realizado na UFCG. Na oportunidade já tentávamos entender a natureza ideológica do movimento de caminhoneiros, sua pauta política, a forma de organização e negociação, a suposta heterogeneidade do mesmo e sua inserção na conjuntura do golpe de 2016 e da politica de preços de combustíveis aplicada pela PETROBRAS. Em um evento sobre Marx, nada melhor do que perguntar qual o papel da esquerda em tomar partido diante desse movimento que colocou o país em crise ainda maior?
O seminário terminou e os movimentos sociais, populares e sindicais ainda tentavam fazer uma melhor leitura da conjuntura para fazer uma boa intervenção política na realidade histórica do presente. As redes sociais pulverizavam uma gama de informações de que se tratava de um movimento conservador, apoiado pela extrema direita, ostentando faixas pedindo intervenção militar. Para algumas leituras, apoiá-los significaria por mais lenha na fogueira do golpe e apressar a chegada da República da Espada antecipando as urnas de outubro. Para outros, o movimento era apoiado por setores do agronegócio, dos postos de combustíveis e das grandes transportadoras, portanto, trabalhadores “sendo manipulados pelos seus patrões”, sem independência classista, o que não justificaria a aproximação de nós que nos autodenominamos de esquerda com esse tipo de “movimento burguês” lutando pelo fim de alguns impostos e por subsídios para o óleo diesel.
Na contramão dessas leituras mais generalizantes, algumas eu diria até sectárias, algumas entidades de movimentos sociais, sindicais e populares de Campina Grande decidiram atuar junto aos caminhoneiros nas estradas onde estavam os bloqueios. E na segunda feira, 27 de maio, fizeram um ato de solidariedade aos mesmos na histórica Praça da Bandeira com ampla participação, não obstante a chuva que caía. Os caminhoneiros falaram. Os intelectuais acadêmicos e organicamente vinculados a partidos, sindicatos e movimentos sociais escutaram e aprenderam com a voz da experiência de trabalhadores autônomos que movimentam cargas por essas estradas do Brasil em precárias condições de trabalho, vivendo à mercê de empresários que os contratam em condições extremamente desvantajosas. Como nos ensina o historiador Edward Thompson, precisamos ouvir “os de baixo”, suas experiências de lutas, suas expectativas, suas leituras de mundo.
Quero com isso dizer que, o movimento dos caminhoneiros é heterogêneo e mais complexo que pensamos. Uma boa parte das cargas transportadas no país é feita por esses autônomos, cujos interesses não correspondem necessariamente na mesma direção do que negociou a fração burguesa com o governo golpista. Por isso continuaram nas estradas e, não à toa, o movimento se fortaleceu com o anúncio da greve dos petroleiros. Nessa linha, entendeu setores da esquerda que deveria sair da analise de conjuntura e atuar junto ao movimento, dialogar com os sujeitos históricos que estavam parando o Brasil. Entendeu-se que o mais interessante era disputar o movimento com a extrema direita que estava colocando faixas nos caminhões pedindo a intervenção militar, disputar ideologicamente os próprios caminhoneiros que tivesse um entendimento que a solução seria uma saída militar, fazer a filosofia da práxis, o encontro entre o pensamento elaborado pelos especialistas e o senso comum, fazer guerra de posição, para andar com os cadernos de Antônio Gramsci debaixo de braço e pôr suas lições em pratica. Ou é melhor deixar os bolsonaristas de verde amarelo ganhar o movimento e ficarmos de braços cruzados esperando atuar apenas em uma luta “autenticamente revolucionária”? Voltando ao historiador Edward Thompson, a classe não e uma coisa ou uma estrutura, ela se faz na história e faz história e seu fazer-se é na experiência da luta que resulta na construção da consciência de classe. Parece que alguns intelectuais gostariam de militar apenas em um movimento que encontrasse a classe pronta, feita, acabada, com projeto “autêntico” e dali chegariam as vanguardas para apertar o botão do relógio e começar a revolução socialista. Ora, se temos algum caminhoneiro de direita ele não pode aprender com a experiência de nove dias de lutas e adquirir nova consciência? A julgar pela forma como a greve acabou, com o braço armado do Estado, com os militares metendo o cassete para cima deles, provavelmente aprenderam que os militares não estão do seu lado.
Essa história ainda está aberta. Porque em plena crise, o governo aumenta o preço da gasolina. A questão é maior do que pensamos. É a política de preços do tucano Pedro Parente, do entreguismo e da privatização da nossa metade estatal Petrobras. E o pré sal.
É a soberania nacional, estúpido! Enquanto você fica na fila do posto por mais de doze horas para comprar gasolina!
Eu não me arrependo de ter apoiado