sábado, 7 de dezembro de 2013

NARRADORES E NARRATIVAS DOS CARIRIS VELHOS

Dr. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG- ANPUH-PB)

 A presente comunicação propõe a socialização de um projeto de pesquisa e extensão que desenvolvemos na UFCG, campus de Sumé, intitulado "História e Memória: entre fotografias e relatos orais do Cariri Paraibano ". O mesmo ainda se encontra em sua fase de desenvolvimento com vistas a fazer parte da futura formação do Núcleo de Documentação Histórica do Cariri. Desse modo, esse artigo procura narrar os objetivos, justificativas e metodologias do projeto, no tocante aos relatos orais das populações do semiárido paraibano.
 O projeto vem se desenvolvendo em parceria com o PIBID de Educação do Campo na área das ciências humanas e sociais , uma vez que entendemos que a docência não pode ser separada da pesquisa e que o profissional da educação básica deve ter uma formação que articule essas duas dimensões. Desse modo é que temos procurado desenvolver outros projetos no interior do PIBID, operando um trânsito entre a sala de aula e a produção e catalogação de documentação histórica. Em busca dos narradores e narrativas dos Cariris Velhos é que temos seguido e cujos passos nos levam a produção das memórias das populações da região, iniciando pelo município caririzeiro de Sumé. Procurando romper com uma concepção de história local confundida com a historiografia oficial, nosso objetivo é priorizar os relatos de homens e mulheres comuns, a fim de que possamos fazer a operação historiográfica a partir de outros ângulos que não, exclusivamente, a dimensão institucional e oficial. 
Evidentemente, não somos adeptos a linha que concebe o relato contado como sendo a própria história, muito menos que a função da história oral é apenas dar voz aos de baixo, tanto tempo excluídos da escrita da história; mas, articular essa dimensão da escuta no interior de um trabalho de memória feito pela historiografia. O projeto que desenvolvemos no município de Sumé prioriza sujeitos como professoras primárias, lideranças de assentamentos e associações rurais, mãe de santo, professor de capoeira, artistas locais, rezadores, parteiras, antigos mangaeiros, tropeiros, feirantes e ex-candangos. Como podemos perceber, o critério de seleção dos entrevistados se baseou em torno de atores comuns, homens e mulheres das classes populares, portadores de um acúmulo de experiências e saberes transmitidos pela tradição oral. Os bolsistas do PIBID tem feito o contato com as pessoas a serem entrevistadas, ao mesmo tempo em que fazemos leituras teórico-metodológicas no sentido de proceder a realização e a transcrição da entrevista como também de situar o debate envolvendo a chamada história oral e a relação história e memória. Até o presente momento, percebemos uma boa receptividade quanto à concessão e gravação da entrevista. Das três que realizamos, todas foram com professores: uma delas com o atual professor de capoeira Maxiste, enquanto as outras duas foram com as professoras aposentadas Maria Emilia e Creuza, todas já transcritas pelos bolsistas do projeto. Além dessas, foram realizadas outras entrevistas pelas alunas do curso de Educação do Campo, Maria Raquel Batista da Silva e Carla Mailde Santa Cruz, para as suas respectivas monografias de conclusão de curso. 
A primeira, fez algumas entrevistas temáticas sobre o poeta e compositor José Marcolino, ao passo que a segunda, seguindo uma linha etnográfica entrevistou camponeses da comunidade de Olho D`Água que vivem um momento de crise de identidade territorial motivada pela transferência de pertencimento municipal de Sumé para Serra Branca. Após os trabalhos monográficos, as referidas alunas disponibilizaram os áudios e transcrições das entrevistas para o projeto que visa produzir um núcleo de documentação histórica do Cariri paraibano. No momento estamos em contato com a mãe de santo e o presidente da Associação dos Moradores da Bacia do Açude de Sumé a fim de que possamos ampliar o leque da produção memorial. Pelas três experiências realizadas, percebemos um intenso desejo de registro de memória, uma vontade de contar o passado como se estivesse vivendo o mesmo. Além da vontade de contar as memórias, os três narradores procuravam subsidiar o relato com ícones da cultura material. O professor de capoeira no concedeu entrevista na sede da escola e fez questão de mostrar os diversos tipos de instrumentos musicais utilizados, além de uma reportagem afixada na parede da escola sobre o Mestre Bimba; D. Maria Emilia falou muito mais de seu pai, o pintor Miguel Guilherme, e juntou fotografias, seus quadros pintados, trabalhos acadêmicos realizados sobre o mesmo, como forma de demonstração de grandeza do seu genitor; já D. Creuza nos mostrou cadernos escolares dos anos 1970, expondo rastros de uma metodologia de ensino daqueles tempos em que atuara como professora primária.
 A importância desse projeto comporta alguns significados. Politicamente, trata-se de escutar à contrapelo, conforme nos ensinara o filósofo Walter Benjamin. Ouvir os narradores é também valorizar os saberes que eles adquirem e transmitem intergeracionalmente. Memórias marginalizadas, às vezes, oprimidas e silenciadas que foram arquivadas seletivamente na dimensão subjetiva e não nos lugares de memória monumentalizados aos quais subiam e sobem apenas as elites vencedoras e dominadoras. Atrelada a essa dimensão política, se encontram aspectos cognitivos. Produzir memórias não é o mesmo que produzir história, embora esta seja também uma memória social que narra os passados, a operação historiográfica passa por um processo de investigação criticamente conduzida por práticas científicas, ou como quer o filósofo Paul Ricoeur, a memória transportada pela historia deve se proceder pelo trabalho muito mais do que apenas pelo dever de memória, se se quer uma memória feliz da qual nos fala o filósofo francês. Pensando pelo prisma cognitivo, nosso projeto se presta a produzir memórias que poderão levar a vários trabalhos de pesquisas sobre o município de Sumé. Trabalhos que abordem o Semiárido Paraibano em sua multidimensionalidade e a partir de uma “história vista de baixo”. Outra importância a ser considerada consiste na questão da formação do licenciado em Educação do Campo, um curso pensado partir dos movimentos sociais do campo e que procura atuar politicamente junto às populações do campo em suas diversidades. Dessa forma, consideramos importante na formação desse profissional que irá trabalhar nas escolas do campo o desenvolvimento de habilidades para trabalhar com as mais variadas linguagens e metodologia de pesquisa e ensino. Os alunos e alunas do projeto, alguns dos quais hoje já formados, passaram pela experiência em torno da chamada história oral, fizeram contato com possíveis entrevistados, montaram um roteiro prévio das entrevistas, participaram do ato da entrevista e transcreveram as mesmas. Assim como, orientamos no sentido das inúmeras possibilidades de oficinas aulas que podem ser montadas na educação básica a partir dos relatos orais transformados em recursos didáticos.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 BATISTA, Maria Raquel. “Numa sala de reboco”: representações de Sertão nas músicas de José Marcolino. Monografia (Licenciatura em Educação do Campo), UFCG, 2013.
 BENJAMIN, Walter. O narrador. In: BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet, 2. ed., Brasiliense, 1986.
 RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François. São Paulo: Editora da UNICAMP, 2008. 
 SANTA CRUZ, Carla Mailde Feitosa. Estudo do Conflito Identitário e Territorial nas Comunidades Rurais de Olho D Água do Padre e Caititu. Monografia (Licenciatura em Educação do Campo), UFCG, 2013.