quinta-feira, 15 de setembro de 2016

GURJÃO: DOS PRIMÓRDIOS À CIDADE

Eliete de Queiroz Gurjão (Professora Aposentada- UFPB e UEPB)

1 TERRAS DOS CARIRIS OCUPADAS POR FAZENDAS DE GADO
           
            O município de Gurjão situa-se no Estado da Paraíba, na microrregião do Cariri Oriental que se insere na mesorregião da Borborema.
            A denominação cariri tem sua origem nos nativos desta área. Os portugueses, inicialmente, denominavam de tapuias todos os primitivos habitantes do interior. Os tapuias ocupavam esta imensa área e segundo  estudos mais recentes estavam divididos em duas nações: cariris e tarairiús. A primeira, a nação cariri, habitava a microrregião que leva seu nome, enquanto os tarairiús ocupavam outras áreas do interior. Viviam ambas em perfeita integração com a natureza e de acordo com seu estágio cultural (paleolítico superior) até o século XVII, quando os sertanistas iniciaram a invasão de suas terras e sua captura, submetendo-os à escravidão ou à catequese, com o auxílio das ordens religiosas.
            O impulso para a conquista e ocupação das terras do interior do Nordeste foi gerado pela  expansão do mercado açucareiro. Em meados do século XVII a economia açucareira atingiu seu apogeu; havia necessidade crescente de ampliar a produção para atender a demanda do comércio.  Neste sentido, as melhores terras do litoral precisavam serem exclusivas para o cultivo da cana e de sua lavoura de subsistência, não havendo mais espaço para a expansão da pecuária. Daí porque, o rei de Portugal decretou a proibição de criar gado até vinte léguas do litoral. Ao mesmo tempo, estimulou a doação de sesmarias (lotes de terra) no interior com a finalidade de estabelecer fazendas de gado. No início , as sesmarias eram doadas àqueles que haviam combatido e expulsado os nativos, "limpando o terreno" , conforme se expressavam nessa época. Em consequência, ocorreram as entradas, expedições organizadas para conquista das terras dos nativos e sua submissão ou escravização, inclusive com base no princípio da guerra justa, ou seja, índio que resistisse era justo ser escravizado. Os índios que se rendiam eram reunidos e catequisados nas aldeias, ou missões, associando, assim, o empenho dos religiosos ao dos colonizadores.
            A partir da segunda metade do século XVII, seguindo o curso do rio São Francisco e de seus afluentes, foi iniciada a conquista e ocupação das terras do interior do Nordeste por sertanistas provenientes da Bahia e do litoral de Pernambuco. Submetidos os nativos e instaladas as missões, seguiam-se requerimentos para concessões de terras para criação de gado. As fazendas de gado foram, por conseguinte, os embriões do povoamento de todo o interior, centralizando as atividades produtivas e gestando uma economia fundamentalmente rural. Seus aglomerados populacionais constituíam prolongamento do campo, tendo como atividade principal a feira de gado e mantimentos. Os centros politico-administrativos eram as vilas que funcionavam como sedes de município, comarca e diocese.
             Em 1669 foi doada uma sesmaria no Cariri para instalação de fazenda de gado que originou a  Vila Real de São João, cujo crescimento deu-lhe posição de destaque entre os centros urbanos do interior. Seu território compreendia vários distritos, entre os quais Timbaúba.

2  DE TIMBAÚBA À GURJÃO

           
            Segundo Irinêo Joffily, (s/d ) o território de São João do Cariri era habitado pela tribo sucurú, pertencente à nação cariri. Considerando que Timbaúba  ocupava a mesma região, deduz-se que os sucurús também ocupavam seu território.
            No contexto da primeira metade do século XVIII, em 1733, ocorreu a doação da sesmaria  e instalação da fazenda de gado que constituiu o núcleo original de Timbaúba. Posteriormente, outras fazendas de gado foram criadas e nelas funcionavam os "arranchos" conforme depoimento do Sr. Abdias Olinto, antigo morador que presenciou os últimos anos do século XIX.
            O Sr. Abdias descreveu os "arranchos" como currais, cujo objetivo era o aluguel para o abrigo dos rebanhos conduzidos pelos boiadeiros para as feiras de gado de Campina Grande e Pocinhos. Os boiadeiros muitas vezes viajavam durante seis meses, provenientes do sertão paraibano e até do Piauí. No "comércio" (mercado) alojavam-se os "tangerinos", responsáveis por "tanger", ou seja, direcionar o rebanho durante a caminhada. Os "arrieiros" chegavam antes, conduzindo grandes tachos e ingredientes afim de preparar as refeições dos boiadeiros. O informante acrescentou, ainda, que era comum a utilização de liteiras puxadas por animais para transportar os homens que adoeciam durante a caminhada.
            A produção da pecuária local destinava-se apenas ao consumo interno, assim como a agricultura de subsistência que era limitada pelas constantes estiagens. No século XIX o algodão, sobretudoo arbóreo, já despontava, adaptando-se ao clima e resistindo às secas muito contribuiu para o desenvolvimento posterior do município. Em 1914, transportado no lombo de animais, o algodão produzido em Timbaúba já era vendido para o mercado de Campina Grande,.
            A mão de obra escrava muito utilizada no litoral, também o foi  no cariri. Próximo à abolição o município de São João, incluindo Timbaúba, destacava-se entre os maiores escravocratas, conforme comprova Celso Mariz (1939, p. 37)  " Em 1885 tínhamos (o Estado) ainda 9.207 escravos homens e 10.571 mulheres. Possuíam escravos em maior número os municípios de São João do Cariri, Capital, Mamanguape, Itabaiana [...] "
            Na segunda metade do século XIX a Paraíba foi vítima de duas epidemias de Cólera, a primeira em 1856 e a segunda em 1862. Segundo José Leal (1965, p. 264 ) a primeira teve início em São João:
                                  
A invasão da província pelo Cólera-Morbus verificou-se através da fronteira de Pernambuco, manifestando-se a princípio em São João do Cariri e em Taquara [...] Nessa primeira investida do Cólera- Morbus morreram 25.390 pessoas, sendo esta a contribuição de várias áreas: Cariri 1703; Capital e zona litorânea 5.741[...] "

            A segunda epidemia marcou definitivamente a história de Timbaúba. Seus habitantes, apavorados com o avanço da epidemia e sem contar com assistência médica recorriam à providência Divina e aos santos. São Sebastião, por ser conhecido como defensor contra a peste, fome e guerra, foi o mais invocado, inclusive através de promessas.
            Nove anos após esta epidemia, em 1871, um grupo de proprietários de terras de Timbaúba, entre os quais o coronel Antônio José Gurjão, fez a doação do patrimônio para a construção de uma capela em homenagem a São Sebastião, conforme declara em documento lavrado em cartório: " Escritura de doação para patrimônio da Capela do Senhor São Sebastião que se tem de erigir em Timbaúba deste Termo [...] " (folha 1 da Escritura de Doação, 1871).
            Foi construída a capela de São Sebastião, santo eleito padroeiro do povoado. Até hoje ele permanece padroeiro e a tradição é mantida, inclusive, com ritual e comemoração, através de procissão e festa anual em homenagem ao santo, em 20 de janeiro.
            Em 1890 apesar de já se constituir como povoado, Timbaúba ainda era um povoado muito pequeno e mal aparelhado, conforme o descreve um antigo habitante local, Raulino Maracajá,  em cujo  Diário (1958, p. 43) afirma:

                           Timbaúba do Gurjão
                                Antigamente era uma fazenda.
                                Era assim conhecida por ter residido ali o cel. Antonio José de Farias                                       Gurjão, grande fazendeiro e proprietário...
                        No ano de 1890 mais ou menos, foi quando vim a conhecer                                                             Timbaúba, já era povoação.
                               Existia umas 10 a 12 casas, uma casa velha de tijolo em preto sem                                           ladrilho a qual servia de comércio ou mercado.
                                A capela muito grande e mal edificada.
                                Uma bodega mal sortida, talvez as mercadorias não chegassem a                                             importância de 300 mil reis[...]

            A primeira rua do povoado situou-se em frente à capela. Atualmente é uma das principais artérias da cidade e recebe a denominação de Luis Queiroz, antigo mestre do município. Somente em 1921 o povoado foi elevada à condição de distrito, conservando o nome de Timbaúba e subordinado ao município de São João do Cariri. Em 1924 foi implantado o cartório, submetido à comarca de São João.
            Em 1943 recebeu a denominação de Gurjão. Sua elevação à categoria de município só ocorreu em 02 de janeiro de 1962 ( Dec. no. 2.447), incorporando o distrito de Santo André.
             A deficiência dos meios de transporte e comunicação muito contribuiu  para retardar o desenvolvimento de Gurjão. Até mesmo quando ferrovias já ligavam várias cidades paraibanas no início do século XX e mais adiante, quando o sistema rodoviário já ligava o interior ao litoral do Estado, Gurjão permaneceu isolado.
            Situado na área mais seca da Paraíba, o município de Gurjão, no decorrer de sua história, vem enfrentando muitos períodos de estiagens. Além disto, a agricultura local é prejudicada pelas condições de um solo muito pedregoso  e alta salinidade.
            O problema das secas, a falta de assistência governamental, o isolamento resultante da carência de meios de transportes e comunicações, em conjunto, constituíram motivos para o ritmo lento do desenvolvimento local. Acrescente-se a tudo isto a emigração de grande parte de sua mão de obra, atraída pelas melhores condições de trabalho no Rio de Janeiro e São Paulo. Tratou-se do êxodo Nordeste-Sudeste, acentuado  durante a segunda metade do século passado e aprofundado a partir dos anos sessenta com a construção de Brasília e a consequente expansão da fronteira para o Centro-Oeste.
            Enfim, Gurjão sobreviveu em meio às dificuldades seculares acima apontadas e no século atual caminha de forma mais acelerada, o que vem repercutindo favoravelmente no desenvolvimento urbano da sede do município.
                                               
REFERÊNCIAS

Bibliográficas

ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. João Pessoa: Ed. Universitária, UFPB,1978.
GURJÃO, Eliete de Queiroz. (org). Estudando a história da Paraíba. Campina Grande:: Ed.Cultura Nordestina, 1999.
HERCKMANS, Elias. Descrição geral da capitania da Paraíba. João Pessoa:
A UNIÃO Ed., 1982.

JOFFILY, Irinêo. Notas sobre a Paraíba. Brasília:  Ed. Thesaurus, s/d.

LEAL, José. Itinerário da história. João Pessoa: 1965.

TAVARES, João de Lyra. Apontamentos para a história territorial da
Parahyba. Mossoro: Coleção Mossoroense, 1982.

MARIZ, Celso. Evolução econômica da Paraíba. João Pessoa: A União
Editora, 1939.

 Documentais

Escritura de doação para patrimônio da capela do Senhor São Sebastião. Comarca de São João, 1871. Arquivo do Cartório de São João do Cariri.

MARACAJÁ, Raulino. "O Meu Diário", Gurjão: 1958.