A cada dia que passa a
vida me leva a coisas desafiadoras. Nunca pensei que me dariam o mérito da
confiança e ao mesmo tempo da responsabilidade de dizer algumas palavras para
os feras do curso de História da UEPB. Eis que me deram e aceitei com imenso
prazer, embora temeroso em função da importância a que me incumbiram.
Imediatamente pensei: “Meu Deus o que vou dizer a esses meninos e
meninas?” Dizer apenas “sejam bem
vindos e bem vindas” é muito pouco, aliás, é pouquíssimo. É preciso refinar
a oratória, ser otimista e fazer da palavra um convite decorado com os signos
emblemáticos de nosso curso de licenciatura em História. Vou
tentar, se não conseguir peço perdão; se conseguir, fico feliz.
Gostaria de iniciar
prloblematizando a nossa identidade enquanto profissional de História. É
preciso que estejamos sempre fazendo a nós mesmos perguntinhas do tipo: o que é
ser historiador nesse início de século? Por que estudar história? Onde estão os
sentidos dos passados?
Essas indagações não são
simples de serem respondidas, uma vez que envolve uma complexidade dada às
variedades de respostas e dos lugares sociais de quem ousam respondê-las.
Portanto, tenho consciência do lugar de onde produzo essa narrativa e as
tentativas de respostas aos questionamentos acima propostos, tem imbricamentos
relevantes com esse lugar.
Todos nós aqui temos uma
formação inserida no bojo do paradigma da modernidade. A escola moderna tem
sido um dispositivo disciplinador, como quer Foucault, ou um aparelho
ideológico de Estado, como sugere Gramsci e Althusser, levando em considerações
as diferenças entre os dois marxistas. Ou ainda, a educação escolarizada
moderna é bancária, como sugere Paulo Freire, centrada no professor “dono” do
saber e depositário de imenso poder e no aluno “passivo”, “mente vazia” que vem
à escola preencher de conhecimento científico produzido pela academia. Centrada
ainda em avaliações tradicionais e métodos de memorização mecânica.
A História enquanto
ciência moderna, “Positivista”, enfadonha, linear e evolutiva, de sujeitos
individualizantes e elitistas e baseada em documentos escritos e oficiais, se
constituiu enquanto disciplina escolar em 1838 e de lá pra cá nunca mais saiu
do currículo escolar. Foi uma disciplina das mais vigiadas, como nos lembra
Marc Ferro, e útil à legitimação dos nacionalismos, dos regimes
político-ideológicos, do paradigma eurocêntrico que ao passo que “normalizava”
o europeu, masculino, heterossexual, cristão e burguês, “anormalizava” quem ai
não se encaixasse.
Na História do Brasil,
por exemplo, o ensino de História já buscou legitimar a Monarquia, a República,
o nacionalismo fascista de Vargas, o populismo e desenvolvimentismo da dupla
Vargas-JK, respectivamente, e da doutrina de Segurança Nacional do regime
militar. Já foi utilizada para legitimar a religião católica, demonizando, por
exemplo, as religiões e religiosidades afro-brasileiras. Já foi utilizada para
legitimar o paradigma do patriarcado, excluindo as mulheres como sujeitos da
História. Já foi utilizada objetivando mostrar o homem branco descendente de
europeu como o agente da “civilização” ao passo que os índios e negros eram
considerados “selvagens” sem almas. Já foi utilizada para legitimar a família
patriarcal e heterossexual de modelo cristão, relegando aos planos da
“anormalidade” e da desrazão os homossexuais e outras tipologias de familias.
E hoje, após o regime
militar e o advento da democracia o que se pode esperar da História e do ensino
de História? E pensando no contexto internacional, em plena era da globalização
e do neoliberalismo, o que se pode esperar da História e do ensino de História?
Entendo que, embora
vivamos uma crise de futuro, de projetos e utopias coletivas, de pleno mergulho
na sociedade de consumo, midiatizada, tecnologizada e veloz, ainda precisamos
fazer da História e do seu ensino um contra discurso hegemônico ao capitalismo,
não obstante termos consciência de que a educação atualmente está estritamente indissociável
do mercado de trabalho. Mas pior do que isso é fazer um discurso cultuando o
modelo de sociedade que aí está como a perfeição que a humanidade podia
atingir. Igualmente pior é não fazer o contra discurso, pois, implicitamente
acaba caindo no primeiro exemplo, mesmo que indiretamente, pois não se objetiva
formar um cidadão com visão crítica de mundo, no sentido de classe mesmo.
Pensando pela ótica da
diversidade cultural, a História e seu ensino que durante muito tempo buscou
construir uma identidade nacional unívoca, coesa e harmoniosa, como quis, por
exemplo, Gilberto Freyre, para o Brasil, precisa hoje pensar não no brasileiro,
mas nos brasileiros diversos, portadores de identidades diversas, de religião,
classe, raça e etnia, idade, gênero e sexualidade, região, etc. Por esse
prisma, trata-se de estudar a construção das identidades no plano cultural e
social, desnaturalizando-as. Dessa forma, pensamos a historicidade das
identidades, as negociações e o os conflitos inerentes a uma sociedade cada vez
mais complexa, que está para além da luta de classes. As escolas e o ensino de
História, pensando na diversidade cultural, devem cuprir um grande objetivo
geral para seu ensino, isto é, a luta pelo reconhecimento das identidades dos
excluídos da história pelo paradigma moderno, a cidadania cultural, na qual o
Outro é apenas diferente de mim, nem melhor, nem pior. Ao mesmo tempo, ainda
pensando pelo ângulo da diversidade cultural, podemos reafirmar um outro contra
discurso ao discurso único da globalização que procura homogeneidade cultural a
partir dos Estados Unidos.
Estudar História não tem
sentido pragmático, mas vale muito pela constituição de nossas subjetividades e
identidades. Vale pela criticidade que o mesmo permite, pela visão de mundo que
o currículo pode nos presentear, relativizando, evidentemente.
Eu mesmo tive minhas
subjetividades ressignificadas com o curso de História na UEPB nos anos 1990.
Entrei Católico Apostólico Romano e saí quase ateu. Entrei como filho de uma
família política tradicional, dos tempos do PDS e da extrema direita e saí
pendido pela esquerda, votando em Lula desde 1989 e sendo tachado no interior
de admirador de grevista “baderneiro”. E confesso: o rótulo que hoje mais me
agrada e escuto isso de amigos e família, é o de louco. “Todo historiador é doido”, já ouvi tanto isso que já me assumi
inteiramente louco. Louco porque não vai a missa, porque gosta de músicas “doidera”,
por que briga pelos seus direitos, não acredita na existência do céu em cima e
do inferno embaixo; Fizeram isso comigo, graças aos marxistas que andavam por
aqui e para lembrar a professor Martha Lúcia, nos tempos em que a teoria
funcionava.
Voltando à questão da
nossa identidade de historiador. É de fundamental importância que lutemos pelo
reconhecimento oficial de nossa profissão, não apenas como uma mudança de
nomenclatura, e sim, um redimensionamento das políticas públicas de valorização
do magistério nesse país. O professor não pode ser pensado separado do
pesquisador, precisamos romper com a velha dicotomia que confere à universidade
a produção do conhecimento e às escolas a sua transmissão. Nas escolas também
se produz narrativas históricas e os professores/pesquisadores precisam de
tempo e investimento para sua formação continuada.
Nesse sentido, o curso
de Licenciatura Plena em história da UEPB, pensa um projeto pedagógico que visa
formar esse perfil de um historiador professor/pesquisador. Discordo,
plenamente, das universidades que ainda separam os cursos de licenciatura dos
de bacharelados, pois devemos pensar no lócus, por excelência da nossa atuação
profissional, ou seja, as escolas.
Sejam todos bem vindos,
a casa é nossa. Aproveitem todos os momentos da estadia que aqui vão fixar. Espero
que possamos contribuir com o debate historiográfico, que possamos construir e
socializar conhecimento histórico e que o desenrolar desse processo seja
gratificante para todos.
Sintam-se em casa!
Obrigad0.
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