José Luciano de
Queiroz Aires (UAH-UFCG)
A
“Pátria Educadora” está em greve. Uma greve forte que movimenta o país inteiro
levando docentes, estudantes e servidores técnico-administrativos às ruas brasileiras.
O horizonte de expectativa desse movimento é a construção de uma greve geral
que possa resistir ao projeto de educação levado a cabo pelo governo brasileiro
com seus aliados internos e externos. Mas, afinal, o que está em jogo na atual
conjuntura? Qual a importância de uma greve na educação nesse momento? São
essas as questões sobre as quais gostaria de refletir nesse texto.
Inicialmente,
gostaria de mencionar a temporalidade na qual estou escrevendo essas linhas. Em
grande medida, o que pretendo desenvolver nesse artigo é resultado da
experiência vivenciada em doze dias de participação do Comando Nacional de
Greve do ANDES-SN e que gostaria de compartilhar com os leitores.
Mais
do que o discurso verbalizado pelo governo brasileiro da “necessidade do ajuste
fiscal”, em nome do qual é acionada a tesoura que corta mais de 9,4 bilhões do
orçamento das instituições federias públicas, o que está em jogo é o embate
entre dois projetos de universidade para o nosso país. Mais do que cortes,
supostamente “momentâneos”, o que vai se consolidando é o modelo privatista,
empresarial e mercadológico de educação, enterrando a universidade pública,
gratuita, laica e de qualidade como direito social. A greve é fundamental e
deve ser compreendida como arma necessária para enfrentarmos o projeto da
mercantilização da educação dirigido pelas ambições dos empresários que se
encostam às pilastras estruturadas em torno do orçamento da União.
Como
é sabido de todos que acompanhamos a atual conjuntura, a política econômica
conduzida por um Ministro da Fazenda, representante dos banqueiros, é
direcionada no sentido de ajustar as contas públicas cortando direitos
trabalhistas historicamente conquistados, diminuindo, consideravelmente, o
repasse de verbas para setores fundamentais como a educação e a saúde pública e
aumentando impostos e o custo de vida que afeta o andar de baixo da pirâmide
social. A tesoura do Levy é bastante afiada quando faz um movimento para baixo
e bastante enferrujada e incapaz de construir um movimento de corte para cima.
Saindo
da metáfora e indo diretamente aos números, vale salientar que apenas em 2014,
45,11%, o equivalente a 978 bilhões de reais do orçamento da União foi
comprometido com pagamento de juros e amortizações da dívida pública, restando
apenas 3,73% para a educação. Desse modo, fica bastante evidente a hegemonia do
bloco do capital financeiro que enriquece a cada dia que se aumentam as taxas
de juros SELIC e quando o governo faz o esforço para manter o superávit
primário que alimenta a boca enorme desses monstros que engordam especulando.
No
andar de cima também se encontram as poucas famílias que acumulam fortunas e
não são tributadas, conforme previsto na Constituição Federal. O Imposto Sobre
Grandes Fortunas, caso fosse regulamentado no Brasil, atingiria 0,2% da
população que, segundo dados da Receita Federal, corresponde a 221 mil
contribuintes que possuem fortuna acima de 1 milhão de reais, muito dos quais
escondidos em paraísos fiscais. Se esses afortunados fossem taxados em 1,5%, o
governo arrecadaria algo em torno de 100 bilhões de reais por ano, mas o
governo fez a opção de ajustar as contas de casa fazendo um ajuste fiscal
pesando sobre os ombros já sofridos da classe trabalhadora brasileira.
Apenas
essas duas molas mestras: o compromisso com o pagamento da dívida pública e a
ausência de uma reforma tributária que taxe o capital e não a renda, já nos
rende elementos explicativos para pensar seus reflexos no campo da educação.
Ora, se sobra dinheiro para o mercado financeiro e falta a contribuição dos
milionários para engrossar a receita, cabe à educação e outros setores
considerados direitos sociais apenas a ínfima fatia da pizza do nosso
orçamento.
E
para piorar a situação, é importante ressaltar que nem toda previsão orçamentária
para a educação se destina, exclusivamente, ao setor público. Aliás, o alimento
que engorda os grandes grupos multinacionais e associados provém de recursos
oriundos de programas como o PROUNI e o FIES. Basta exemplificar que a fusão do
grupo Kroton-Anhaguera reúne mais estudantes/consumidores do que todos os
matriculados nas 63 universidades federais e que a absoluta maioria dessas
matriculas é mantida por meio dos programas acima mencionados. Basta dizer que,
enquanto em 2014, o governo alocou R$ 13,5 bilhões para o FIES, as universidades
públicas são precarizadas e se encontram ameaçadas de morte. A lógica
neoliberal vem imperando no seu interior, inclusive com o aval dos reitores que
aceitam a receita do MEC como uma lagartixa a balançar a cabeça para cima e
para baixo dizendo “SIM SENHOR” a terceirização e a EBSERH, por exemplo. A
fragmentação, o individualismo, a competitividade, vem reinando, absolutamente,
entre docentes e estudantes, proporcionando uma disputa por espaços nos quais
possam realizar seu “EU” já que cada dia parece se naturalizar a
impossibilidade de um “NÓS”. Entretanto, a realização do “EU” pode ser
provisória, pois se o teto do projeto de universidade pública desabar, essas
cabeças também cairão e ficarão soterradas nos escombros da tragédia juntos com
o “NÓS”. Aliás, isso já pode ser notado quando a CAPES corta 75% dos recursos
do PROAP e quando projetos como o PIBID e o PARFOR estão ameaçados, por
exemplo, uma vez que essa política de distribuição de bolsas por meio de
programas tem feito com que muitos professores silenciem a respeito de política
salarial justa, data base, carreira docente com possibilidade de progressão
mais democrática, isonomia entre ativos e inativos, essa pauta, muitas vezes, é
ignorada em função de um olhar direcionado às bolsas oriundas de órgãos de
fomento ou empresas privadas ou estatais. Não sabem eles que elas são
provisórias? A prova está à vista de todos que queiram enxergar, e são seus
cortes e contingenciamentos.
A
privatização da educação superior avança em duas frentes. Por um lado, cresce,
vertiginosamente, o número de instituições privadas de ensino controladas por
quatro grandes oligopólios cuja entrada no mercado acionário movimenta mais de
15 bilhões de reais por ano. Por outro lado, as universidades públicas vão
aderindo cada vez mais à lógica privatista e a precarização do trabalho. A
título de exemplo, podemos citar alguns casos que apontam nesse horizonte: a) a
criação do FUNPRESP, que praticamente obriga os servidores públicos federais a
contribuírem com a previdência privada para que não cheguem ao fim da vida com
o teto da aposentadoria rebaixado para pouco mais de 4 mil reais; b) a política
do MEC, com o aval dos reitores, de entregarem os hospitais universitários a
EBSERH; c) o avanço das terceirizações, cujo debate no Congresso Nacional vem
sinalizando em direção a atingir o setor fim do serviço público; d) a
possibilidade de contratação de professor via Organização Social (OS), já
legalizado pelo STF, o que inviabiliza os futuros concursos para docentes na
universidades; d) a PEC 395/2014, já aprovada na CCJ da Câmara Federal e que
altera o inciso IV do artigo 206 da Constituição Federal acabando com a
gratuidade das especializações, aperfeiçoamento e cursos de treinamentos no
interior da universidade pública.
Assim,
conforme fez notar o historiador Marcelo Badaró, em recente artigo sobre a
greve atual, a política de contratar professores, o fim da gratuidade nas
universidades públicas e a implantação de políticas de gestão privatizante não ocorrem
apenas no Brasil, mas em escala internacional e procuram atender aos
receituários dos organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial que, de
fato, são os controladores da política educacional vigente nesses tempos de
globalização e neoliberalismo.
Por
isso, entendo que a construção de uma greve geral é urgente e necessária para
enfrentarmos esse projeto de universidade e defendermos a universidade pública,
gratuita e de qualidade, incluindo os 10% do PIB e os recursos do pré-sal para
ela e não para alimentar a sanha dos grandes empresários que acumulam capital
mamando nas tetas do tesouro público nacional.
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