quinta-feira, 8 de outubro de 2015

2015: UMA GREVE NECESSÁRIA E DERROTADA

Prof. Dr. José Luciano de Queiroz Aires

A greve é uma instituição política inventada durante a Modernidade, mas ainda um importante instrumento da luta de classe na Pós-Modernidade. Até que se prove o contrário, outros tipos de enfrentamentos, embora necessários, não substituirão o movimento paredista a ponto de minar sua existência. Pelo menos, não agora.  Igualmente importantes e necessários, são os sindicatos da classe trabalhadora na qualidade de instituições representativas de uma luta coletiva contra o capitalismo e os interesses das várias frações burguesas de classe. Enterrar a greve e o sindicato no túmulo do passado, como algo superado no tempo, em favor do novo que ainda não nasceu nem sabemos como será, significa assinar o atestado de óbito de experiências vitoriosas de lutas coletivas no âmbito do movimento sindical.
O ANDES-SN é exemplo desse movimento sindical classista, democrático nas decisões (sempre consultando as bases) e combativo, isso porque não expressa a velha tradição corporativista da Era Vargas, mas atua na linha da autonomia em relação ao aparelho de Estado. Entretanto, outros sindicatos, centrais sindicais e movimentos sociais, estudantis e populares, optaram pelo “peleguismo” e, desde a chegada do PT ao governo brasileiro, trocaram a linha de frente do combate classista pelo aparelhamento na burocracia estatal, sempre alisando no pelo dos governos Lula e Dilma. Talvez, essa cooptação seja um dos fatores fundamentais que impossibilitam a construção de uma greve geral no país. Defender o mandato da presidente passou a ser a bandeira mais importante nesse difícil ano de 2015.
Nesse sentido, defendo que a greve construída no âmbito do Fórum dos Servidores Públicos Federais e, particularmente, no setor da Educação (ANDES, SINASEFE, FASUBRA, ANEL e oposição de esquerda da UNE), foi mais do que necessária e oportuna. No contexto de um mandato presidencial que foge, completamente, a linha ideológica prometida no debate da campanha e que trai os segmentos de esquerdas que foram decisivos no 2º turno, não resta outra coisa, a nós, senão parar as universidades e tentar parar o país. Quando deflagramos a greve, acusavam-nos de tentar desestabilizar o governo e de que o ajuste fiscal era algo inelutável, como uma estrutura de rocha na qual os sujeitos grevistas iriam bater a cabeça e quebrar a cara. Contra esses argumentos eu diria: não somos e não fomos nós quem desestabilizou o governo, mas os próprios caciques que andam diariamente no interior do Palácio do Planalto; e mais, partir numa luta com certo fatalismo e ceticismo não é o mais recomendável, o fazer-se da classe se dar na experiência da luta e o futuro é incerto, mesmo avaliando a correlação de forças desvantajosa para nós trabalhadores. Por isso, melhor lutar jogando a cabeça na rocha dura do capital, do que se conformar com um status quo vigente que governa para o grande capital financeiro, empresarial e agroexportador.
Fizemos nossa parte. Durante três meses paramos para discutir a universidade que queremos, fomos às ruas e as praças, gritamos na frente e no interior da reitoria, ocupamos o gabinete do Ministro da Educação. Somos poucos, mas corajosos e audaciosos, conscientes da importância da defesa de um projeto de universidade pública, gratuita e laica, uma universidade que se expanda para o acesso e a permanência de pobres, negros, índios, camponeses e não o projeto privatista do governo federal com o aval dos reitores que preferem a terceirização, a precarização das condições de trabalho, o fim da gratuidade de alguns cursos no interior das universidades públicas e os cortes no orçamento público destinado a educação. Muito mais do que apenas reposição salarial (que um direito constitucional que conquistamos), reestruturação da carreira, autonomia universitária, paridade entre ativos e inativos, nosso grito em 2015 foi contra o FIES, contra a privatização, contra o desmonte do serviço público, contra o ajuste fiscal e cortes de verbas, contra o fim de projeto como o PIBID e PET. Nesse particular, avalio como positiva nossa participação, mesmo sendo vozes isoladas no interior das universidades. Nós enfrentamos os gigantes do capital, o Estado Burguês e os reitores complacentes, não é uma luta fácil, mas importante e necessária.
Por outro lado, passados quatro meses de greve, considero que fomos derrotados nessa batalha, o que não significa perder as esperanças de continuar o combate e construirmos outras batalhas. E perdemos por várias razões que gostaria de mencionar: a) O governo não dialoga com nossa pauta setorial, o ministro da Educação sequer nos recebeu para o debate; nosso projeto de universidade diverge do projeto governista, pois enquanto este retira verbas das universidades públicas repassa milhões via FIES e Prouni para os grandes grupos empresariais que mercantilizam a educação; b) quanto mais a greve se estendia, mais o governo caminhava na contramão do lado da classe trabalhadora. Vieram mais cortes, inclusive na pós-graduação ao passo em que a Agenda Brasil e o ajuste fiscal foram sendo acionados sinalizando com mais impostos, mais retirada de direitos trabalhistas e mais criminalização de movimentos sociais e repressão; c) o MEC não tem autonomia, quem define tudo é o MPOG e o Ministério da Fazenda, os ministérios do ajuste e dos banqueiros; d) no interior da nossa universidade não contamos com o apoio da administração central, tivemos que fazer pressão para o reitor abrir as contas e mostrar o impacto dos cortes, isso sem falar que várias reuniões de câmaras foram convocadas a revelia do comando de greve, o que demonstra um desrespeito para com as categorias em greve; e) tivemos que gastar tempo com fura greve, profissionais que não respeitaram as deliberações democráticas da Assembleia e insistiram em trabalhar e nos dá trabalho; f) muitos companheiros que votaram em favor da greve não formaram conosco no comando local de greve, reforçando o esvaziamento da luta e a sobrecarga de atividades para poucos militantes; g) muitos estudantes desqualificaram, vergonhosamente, os professores sindicalistas, expressando uma fraseologia de triste memória a denominar-nos de “vagabundos”; h) esses argumentos anteriores, significa que no interior das universidade ocorre também o desmonte de um pensamento crítico e uma visão de mundo coletiva, conduzindo a maioria dos estudantes e professores a abraçarem a ideologia neoliberal da fragmentação, do individualismo, da competitividade e do conformismo.
Por essas e outras, entendo que chegar a quatro meses de greve apenas com uma proposta governamental de um índice de reajuste salarial muito abaixo da inflação é a derrota da classe trabalhadora e da universidade pública e a vitória do capital financeiro e empresarial que engorda suas contas por dentro do aparelho de Estado. A luta de classe é sempre desfavorável para os trabalhadores, pois os lugares políticos e sociais ocupados são assimétricos e ainda temos que contar com as fissuras e conflitos no interior da luta docente, por exemplo. Dividir para reinar é a lógica do governo. E muitos professores e estudantes têm caído nessa lógica fazendo a briga errada.
Para finalizar, gostaria de agradecer a tod@s @s estudantes que se juntaram a nós nessa luta, o movimento estudantil é brilhante, vigoroso e aguerrido e tem muito a contribuir nas trincheiras da resistência.

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