Prof. Dr. Luciano Queiroz (Historiador/UFCG)
Prof. Dr. Luciano Queiroz (Historiador/UFCG)
Em
2017 escrevi um texto sobre minha impressão a respeito das transformações no “Parque
do Povo” e no “Maior São João do Mundo”, denunciando o caráter privatista,
segregacionista e extremamente mercadológico intensificado sob a festa que surgiu
com ares mais “democráticos” nos anos 1980. Lembro muito bem que a decisão que
me levou a escrever o texto naquele ano, foi tomada assim que pus os pés no “Parque
do Povo”. No espaço onde, outrora, a festa acontecia, ou com muita gente
dançando forró, ou com barracas e trabalhadores vivendo de renda, agora me
deparava com um gigantesco palco deslocado e ocupando o referido espaço para
que, por trás do mesmo, fossem montados os camarotes nos quais os consumidores
assistiam privilegiadamente aos shows.
Passados
seis anos e voltando ao “Parque do Povo” pude constatar que essa lógica se
aprofundou, intensamente. Não só o palco avançou sobre o espaço dançante como
fora erguido um muro, no mesmo, que separa ricos de pobres. De um lado do muro,
os ricos que têm dinheiro para comprar a mercadoria “Maior São João do Mundo”,
dançam e assistem aos shows tendo o privilégio de ficarem a poucos metros do
artista da noite. Do outro lado do muro, ficam os pobres que, não tendo dinheiro
para o usufruto desse privilégio, têm que se conformar em dividir o pequeno espaço
com um número de trabalhadores em cantos bem demarcados para vender cerveja
Brahma, uma das patrocinadoras e monopolizadoras da festa e com os recicladores
de latinhas que não vendo graça nenhuma na música procuram ganhar o seu ganha
pão “fazendo bico”. Aos empurrões e lotação do pequeno espaço, do lado de cá do
muro não se tem o privilégio de sequer chegar perto do palco e assistir ao show
do seu artista preferido. Resta fazer uma “selfie” à muita distância, postar no
historie do seu Instagram e chegar perto do palco mediado pela câmera de seu
aparelho celular. Recomenda-se beber e comer pouco, pois as mercadorias estão
às alturas e a inflação no “Parque do Povo” parece maior do que fora dele.
Do
outro lado da pirâmide, temos as ilhas de “forró de pé de serra”, talvez a única
coisa que vale a pena e que sobrou do São João dos anos 1980 e um pequeno palco
no qual é colocado uma atração que não tem o mesmo valor de troca que as
bandas/empresas que lotam lá na parte de cima. Contudo, resta dizer que na área
de baixo continua-se ostentando a réplica da catedral que, juro não sei a que
veio, e do antigo Cabaré Eldorado no qual, em seu interior, apenas
endinheirados podem se dar ao luxo de sentar em uma mesa e consumir. Não tem
mais barraca, e sim, espaços nos quais as mesas se encontram sob a marca dos
grandes bares e restaurantes da Manuel Tavares e companhia.
Além
do muro do apartheid social no lado de cima e dos grandes restaurantes de
Campina Grande do lado de baixo, só restou aos antigos barraqueiros e
barraqueiras lavrarem o seu protesto diante do prefeito de Campina Grande. Esses
trabalhadores e trabalhadoras gritavam a
palavra de ordem “QUEREMOS TRABALHAR”, reproduzindo um costume de quase quarenta
anos, tempos nos quais se organizavam para passar o mês inteiro no “Parque do
Povo” afim de ganharen a vida ao menos por algum tempo, dado o número de
desemprego e trabalho precário existentes na “Rainha da Borborema”.
Piorando
a situação, quem não pode ir aos camarotes ainda têm de enfrentar a triste
situação de se organizar para ir à festa e ser barrado nos portões de entrada.
Isso mesmo: enquanto Xand Avião fazia seu “show” presenciei, de perto, um dos
portões já fechado, pessoas na fila lá fora e um verdadeiro esquema
policialesco protegendo o portão que mais parecia cena de guerra. Seguranças
privados e Polícia Militar guarneciam as entradas proibidas ao templo do
dinheiro. E ainda tive que ouvir os apresentadores oficiais comemorarem gritando
a plenos pulmões que “os portões já estavam fechados”, e que “já haviam sessenta
mil pessoas no Parque do Povo”.
Um
dia antes, o cantor Flavio José teve seu tempo de show reduzido em detrimento
do apoiador de fascista, Gustavo Lima, numa demonstração que já vem sendo feita
de surrupiarem o forró de tradição jacksoniana e gonzagueana em proveito do
sertanejo, de religiosos e DJ. A prefeitura fez um jogo de cena ao pedir
desculpas ao Flávio José quando, em verdade, o prefeito não manda mais em nada
já que a festa foi integralmente privatizada e a empresa compradora da
mercadoria “O Maior São João do Mundo” faz dela o que bem entender no sentido
de faturar uma gorda bolada. A empresa compra e vende a festa-mercadoria em uma
transação comercial pouco democrática. Ela só divide o lucro com as outras
grandes empresas cujas marcas aparecem todas as noites na frente dos camarotes
e que também ampliam seus capitais e engordam suas contas bancárias.
Não
tenho a menor dúvida de que “O Maior São João do Mundo” morreu. Mas é preciso
dizer a causa morte que consta no seu obituário. Morreu de morte matada. E quem
deu o primeiro golpe de misericórdia foi a oligarquia Cunha Lima quando
entregou, de presente, a festa para o capital administrar. As empresas capitalistas
se encarregaram de levar o “Maior São João do Mundo” aos últimos suspiros e,
enfim, sua morte. Mas é preciso dizer que a festa morreu para os pobres
trabalhadores, para as classes e grupos subalternos, já que para setores que se
auto intitulam de classe média, para setores burgueses, turistas ou não, a festa
continua viva.
Por
mais irônico que possa parecer, os matadores da festa se rebelaram contra o seu
“criador”. O grupo Cunha Lima mirou sua artilharia para a festa que Ronaldo, com
tanto orgulho, se dizia criador. Resta agora uma múmia embalada no sarcófago da
pirâmide do “Parque do Povo”, repouso para um corpo envelhecido e sem vida,
adormecido e descansando sob as cinzas dos anos 1980. Teríamos que acreditar na
reencarnação da múmia que à espera de um Ronaldo viesse vivificá-la, ou que a
morte da festa é fato consumado e a múmia vai ficar eternamente no interior da pirâmide
já que a festa está condenada. Se tivesse que arriscar um palpite, ficaria com
a segunda opção.
Lamentável, uma festa cultural, deste nível desvalorizar e desrespeitar nossos artistas. Excelente texto professor 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾
ResponderExcluirDevia nunca mudar. Aí nem história haveria, tudo seria as mesmas coisas... Vou apenas ser realista, primeiro tudo muda, segundo é o próprio PÚBLICO que não povoa mais o parque do povo pra assistir forró pé de serra zabumba, trinagulo e sanfona. Hoje se o evento não chamar os artistas da massa o público escoa pra cidades que contratarem os artistas da massa.E quem vai pagar toda estrutura do evento? O poeta historiador? Isso sim pode definhar o evento, voltando a década de 80. É PRECISO só mesclar si a programação, pois não podemos impor a nova geração o que era bom pra nós das décadas passadas.
ExcluirEssa tem sido a justificativa para cidades do interior gastarem toda verba da cultura em duas ou três atrações e os outros grupos culturais ficarem, durante o ano todo, jogado as traças. A festa de Barretos não contrata forrozeiros para garantir sua continuidade.
ExcluirFico chocada com o nível do analfabetismo das pessoas que aqui escrevem: só para ilustrar: "enfrente" ao invés de "em frente"...
ExcluirResumindo, hoje O Maior São João de Campina a muito esta elitizado.São João de pobre hoje é afazer uma fogueirinha enfrente de casa, assar um milho, ouvir um forrozinho no radio, e depois ir dormir. Sem direito assistir um show no PP, e comemorar um festa de São João.
ResponderExcluirInfelizmente Roberta, nem isso o pobre pode fazer! O Ministério Público sob mil pretextos proíbe fazer fogueiras nas vias públicas e nem soltar fogos. A população da cidade está literalmente excluída dos festejos.
ExcluirUm São João de plástico e neon! Deixou de ser do povo. Virou produto nas mãos das grandes marcas. Infelizmente... a oligarquia Cunha Lima mais conservadora e nefasta do que nunca
ResponderExcluirDeixou de ser uma festa do povo para ser um "apartheid social". É triste ver os lugares e a festa privatizada !
ResponderExcluirMuito triste. Morei em Campina entre 1999 e 2004 (só não participei do São João deste último ano), e nunca mais voltei pro São João de lá. Já soube que mudou totalmente de quando eu vivia por lá. Hoje não tenho mais vontade de ir pra o São João em Campina, pois já sei que muitas coisas se modificaram. No meu tempo as ilhas ainda eram em cima, e o palco tinha uma longa avenida pra que todos tivessem acesso a chegar ao palco. No máximo a gente tinha um Fagner, Elba Ramalho, forrozeiros da cidade (Biliu de Campina - que nós universitários curtiamos), e algumas bandas de forró das antigas. Nas segundas nunca tinha banda no palco principal. Depois colocaram algum show gospel. As ilhas eram o que a gente mais procurava, antes dançavam até sozinhos, mas devido ficar muito cheio, em outros anos só se podia adentrar com um par, e eu ficava cantando alguém pra eu poder entrar e dançar. Eram tempos bons
ResponderExcluirMas aqui em Patos tá do mesmo naipe. A festa é privada, vendida a uma empresa terceirizada
ResponderExcluirOs eventos populares não são mais públicos, depois que os prefeitos optaram por entregar a administração dos eventos para empre$as... É como se pegassem a Feira Livre e transformassem, por um breve período, em um Boulevard Shopping! Sendo assim as festas tradicionais não são mais do povo, mas das empre$as pois são negócio$ que visam o LUCRO. Foi o Poder Público Executivo Municipal quem EXECUTOU os eventos populares nas cidades nordestinas, e agora também com apoio do Ativismo Judicial que resolveu atuar de Ofício! E não adianta choramingar nem culpar Bolsonaro, mas aprender a votar e eleger em 2024 um prefeito que se comprometa a fazer o Maior São João do Mundo das antigas?
ResponderExcluirO pior de tudo isso é ver nossa juventude contaminada com lixos musicais onde as letras só falam em bunda pornografia e outras coisas mais... Aquela velha música boa onde as letras elevam a mulher, levanta a auto estima que faz bem a alma está cada vez mais raro lamentável sou de Santa Cruz do Capibaribe e vejo já a alguns anos os músicos da terra perdendo espaço para músicos e bandas que nada tem haver com nosso forró. você não vê na festa de barreiro tocar forró nem rock cada região do Brasil tem seu estilo feito a Bahia Manaus são Paulo Rio de janeiro etc. Mas no nordeste tem que vim alguém acanaiar nossa cultura..
ResponderExcluirDisse tudo. Lamentável...
ResponderExcluirA lucidez do texto não reflete a consciência da maioria sobre o que vem a ser cultura, artes e tradições. As massas precisam de ilusões e não vivem sem elas.
ResponderExcluirExcelente análise. Deixei de ir avessa festa faz uns cinco ou seis anos. Lembro que estávamos eu, esposa e duas filhas. Na frente do palco principal, grades de proteção e seguranças armados. Descemos para as piramides e jantamos pelos olhos da cara em um desses restaurantes de marca. Depois pedimos 2 picolés artesanais, de milho verde e tapioca. Estes dois custaram 27 reais. Quando minhas filhas pediram, lhes falei que não era bom pra elas pois estava muito frio.
ResponderExcluirNunca mais fui e detesto ter que dizer a verdade sobre a festa que mais gosto.
Devia nunca mudar. Aí nem história haveria, tudo seria as mesmas coisas... Vou apenas ser realista, primeiro tudo muda, segundo é o próprio PÚBLICO que não povoa mais o parque do povo pra assistir forró pé de serra , zabumba, trinagulo e sanfona. Hoje se o evento não chamar os artistas da massa o público escoa pra cidades que contratarem os artistas da massa.E quem vai pagar toda estrutura do evento? O poeta historiador? Isso sim pode definhar o evento, voltando a década de 80. É PRECISO mesclar sim a programação, pois não podemos impor a nova geração o que era bom pra nós das décadas passadas.
ResponderExcluirO capitalismo e sua capacidade de transformar tudo em mercadoria, inclusive a cultura popular, no caso o São João, que foi transformado em cultura de massa, o efeito nefasto da indústria cultural.
ResponderExcluirAs mudanças devem ser natural e não ao ponto, como muito bem, observou em seu artigo o professor. Teria que se ter sensibilidade e conhecimento para atualizar sem arrancar a raiz. O resto é balela
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