quarta-feira, 29 de julho de 2020

THAMMY MIRANDA, A NATURA E A ESQUERDA





Prof. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)

Temos acompanhado pelas redes sociais a polêmica em torno da escolha da Empresa Natura pela imagem do homem trans, Thammy Miranda, para a campanha publicitária do Dia dos Pais. O que as forças de esquerda poderiam e deveriam dizer sobre a temática?

Em primeiro lugar, um intelectual marxista fiel aos ensinamentos dos pais do materialismo histórico e do feminismo socialista russo da primeira onda, tem por dever político e teórico, articular luta de classes com luta de gênero e outras lutas, pois a emancipação dos 99% da humanidade deverá ser realizada com a complexidade da análise teórica e a unificação das classes e grupos subalternos na mesma frente de combate. Temos que lutar contra o capitalismo, mas também contra o racismo, o patriarcado e a lgbtfobia. Portanto, os partidos políticos e movimentos sociais e populares mistos, devem sair na defesa de Thammy Miranda, pois isso significa o combate à transfobia.

Por outro lado, não me parece adequado à esquerda sair na defesa da Empresa Natura, pois o nosso engajamento deve ser com os trabalhadores e trabalhadoras desta e de todas as empresas capitalistas. Cabe ressaltar que os empresários vivem de extração de mais valor e superexploração da força de trabalho, muita dela, realizada por mulheres, por negros e negras, por imigrantes e refugiados. Trabalho sem direitos substantivos, já que as contrarreformas trabalhista e da previdência se encarregaram de aprofundar o trabalho intermitente, sem a garantia da aposentadoria futura e da proteção jurídica de uma legislação do trabalho no presente.

Hoje mesmo eu li postagens no facebook nas quais as pessoas, na melhor das intenções, digo isso porque saíram em defesa dos e das pessoas trans, defenderem o não boicote ou o “não cancelamento” à Natura. Alguns até fizeram campanha incentivando o consumo de seus produtos no dia dos pais. Embora tenha entendido perfeitamente as justificativas das pessoas que saíram em defesa de Thammy, creio que defender a empresa capitalista que explora homens e mulheres, não é nossa tarefa. Até porque, não há nenhum engajamento político das empresas e dos empresários na pauta das opressões se não fosse o lucro obtido em um mercado segmentado que tem mercadoria para oferecer às mais diversas identidades sociais. Nesse caso, LGBT são tratadas, ideologicamente, no capitalismo, como meras consumidoras. Na outra ponta, dificilmente pessoas trans, lésbicas ou gays assumidos, serão contratados no mercado quando tiver que concorrer com homens e mulheres heterossexuais na hora da entrevista.

Outra crítica que algumas pessoas fizeram a Thammy Miranda foi realizada no sentido de ele ter, supostamente, votado em Bolsonaro. Nesse ponto, acredito que a melhor saída não seria atacá-lo com discursos transfóbicos, mas problematizarmos as razões que levaram massas de explorados e oprimidos a optarem por um projeto político que é a sua própria destruição. A esquerda, nesse momento de crise profunda no planeta, deverá ter a sabedoria de trabalhar no sentido de reverter esse quadro no qual massas populares aderiram à extrema direita.
Como historiador socialista e marxista, deixo aqui meu repúdio a toda forma de preconceito. Thammy Miranda é mais do que um indivíduo, é a personificação das pessoas trans que derramam sangue nas ruas do Brasil. A essas, nós de esquerda temos que ficar juntos, sobretudo, nos tempos neofascistas que vivemos. Meu repúdio igualmente ao sistema capitalista, materializado, nesse caso, na Empresa Natura, exploradora do Dia dos Pais, data hegemonicamente patriarcal e heterossexual, agora também alargada para outras tipologias de famílias, como forma de “inclusão” pelo consumo e não pela emancipação política. Não será defendendo esse tipo de inclusão mercadológica e publicitária que iremos acabar com o machismo, o racismo e a lgbtfobia no Brasil e no mundo. O capitalismo devora gente, tritura trabalho e vomita mercadoria alienada a ser consumida. O cheiro desse tipo de perfume fede bastante em muitos corpos.

4 comentários: