Prof. Dr. José
Luciano de Queiroz Aires (UFCG)
Não
cabe em qualquer curriculum lattes esse tipo de experiência política. Nem
poderia, pois ela não pontua para o crescimento da pós-graduação, não tem bolsa
de produtividade científica, nem premia os egos individuais das vestais
acadêmicas que se envaidecem com os títulos entronizadores da casta encastelada
e conformada de doutores. Entretanto, assumir a identidade de historiador
sindicalista, cabe no curriculum vida, pois dá sentido à práxis pela qual alguns
de nós ainda falamos, uma vez que procuramos articular interpretação teórica e intervenção
política como faces de uma mesma moeda.
Aprendi
lendo vários autores, aliás, de matrizes teóricas bastante diferentes, desde um
Nietzsche, passando por Marx, Engels, Gramsci, Benjamin até os fundadores da
Escola dos Annales como Marc Bloch e Lucien Fevbre, que o esforço de produção
de narrativa do passado que não sirva à vida no presente e para o futuro não
passa de mero exercício de erudição de divertimento dos historiadores. Aliás,
penso até que se a História existisse enquanto campo disciplinar apenas para
divertir os filhos de clio, seria absolutamente injusto os salários que a
sociedade paga para sustentar tantos meninos grandões brincando de contar
histórias por pura satisfação individual.
Por
isso, aceitei a função de diretor secretário da ADUFCG durante o biênio
2015-2017, embora já fosse militante na base durante a greve de 2012. Na base
ou na diretoria, acredito na instituição SINDICATO como instrumento importante
da luta de classe, de gênero, étnico-racial e de combate a todas as formas de
opressões. Principalmente um sindicato como o ANDES-SN, com mais de 80.000
professores universitários sindicalizados voluntariamente, abrindo mão, por uma
questão ideológica, do imposto sindical; um sindicato classista e combativo,
independente de qualquer governo ou reitoria de plantão e cujas decisões são
realizadas em assembleias de base e não pelas cúpulas de diretorias.
Nesses
dois anos à frente da Diretoria/secretaria da ADUFCG, ao lado de valoros@s
companheir@s da Diretoria, da base e da Comissão de Mobilização, tive a
oportunidade de unfrentar uma das mais difíceis conjunturas históricas dos
últimos tempos. Aprendi muito com o entusiasmo e a garra da juventude dos
estudantes e professores jovens que conosco militaram; aprendi bastante com a
experiência dos companheir@s históricos que não mediram esforços na hora de nos
mostrar seu acúmulo de experiência de lutas de outros tempos. Juntos,
procuramos ir às bases: as assembleias de unidades acadêmicas e aos campi fora
de sede, pois entendemos que o sindicato deve se aproximar dos sindicalizad@s
para dialogar com a categoria. Fizemos vários círculos de debates procurando estudar
e dialogar sobre os temas desafiadores que a conjuntura pós 2015 foi colocando
a cada dia para a classe trabalhadora. Enfrentamos o debate sobre o golpe na
perspectiva da diversidade, uma vez, que não havendo consenso nem entre a
diretoria, nem entre a base, abrimos um informativo para que fossem expressas
as mais diversas interpretações sobre o processo do impeachment/golpe,
priorizando a diversidade de leituras ideológicas no interior de uma categoria
heterogênea.
Sofremos,
e a mim, particularmente, foi bastante desafiador, com a condução da Assembleia
de novembro de 2016 quando da possibilidade de deflagração da greve nas
universidades, uma vez que estudantes e professores vieram para inviabilizar a
sua realização, descambando, posteriormente para um movimento fascistizante que
tomou conta das redes sociais ovacionando Jair Bolsonaro, com resposta do
próprio deputado se solidarizando aos professores que votaram contra a greve e
com os estudantes seus seguidores. Essa Assembleia teve desdobramentos
posteriores com processos contra professores e um crescimento da onda
fascistizante no interior da UFCG, algo que continuo combatendo no interior da
Unidade Acadêmica de História.
Aprendi
muito durante os dois Congressos do ANDES e durante o CONAD, mas, sobretudo,
nos atos de ruas, algo que gosto muito de fazer. Principalmente as marchas à
Brasília vivenciando a repressão da Polícia e a história greve geral de 28 de
abril com o piquete da garagem da empresa de ônibus da Cabral. Aprendi também
como às vezes não é fácil se construir a unidade da classe trabalhadora, suas
dificuldades no processo de construção de alianças, as diferenças ideológicas
que nos ensinam que na história da luta de classes a vitória não é previamente
identificada, nem as alianças são sólidas, mas construídas na experiência e, às
vezes, ela nos leva a caminhos não tão promissores como foi na tão esperada
greve geral do dia 30 de junho, que não veio. O que veio foi a contrarreforma
trabalhista, diante da fragmentação das instituições representativas e que
disputam a hegemonia da classe trabalhadora.
Poderia
terminar essa gestão pessimista ao extremo. Lutamos contra a PEC que congelou o
orçamento por 20 anos e PERDEMOS; lutamos para derrotar a Lei da Terceirização
irrestrita e também PERDEMOS; lutamos para derrotar a contrarreforma
trabalhista e também PERDEMOS; estamos às portas de também perder a
Contrarreforma da Previdência; nossos salários, progressões e promoções foram
congelados; lutamos por uma universidade pública gratuita laica e de qualidade,
estamos perdendo para as multinacionais e para o fundamentalismo do MBL e do
Escola sem Partido. Realmente, a correlação de forças é desigual e as classes
dominantes não deram o golpe a toa, foi justamente para tocar todo essa agenda
o mais rápido possível. E conseguiram, e estão conseguindo. Mas como dizia Antônio
Gramsci, é preciso ser pessimista na análise para ser otimista na vontade.
Nesse sentido, saio da diretoria com a missão do dever cumprido, de quem fez
história no chão da luta de classe, junto à tant@s companheir@s, enfrentando o
capitalismo, defendendo um projeto de universidade, de sociedade e de Brasil
que acredito. Junto a vocês, procurei atuar na conjuntura, mesmo que
desfavorável a nós, pois concordando com Gramsci, “Odeio os indiferentes (...) acredito
que "viver significa tomar partido". Não podem existir os apenas
homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser
cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida.
Por isso odeio os indiferentes”. É verdade que nem sempre saímos vencedores na
luta, como Gramsci, Benjamin e Marc Bloch que foram mortos pelo fascismo. Mas
tombaram na luta com coerência política de grande envergadura, articulada com
suas concepções de História. Não é porque perdemos tantas conquistas sociais
históricas em tão pouco tempo nesse Brasil de retrocessos seculares que devemos
abandonar o barco, nem cair num ceticismo radical, não devemos abandonar os
instrumentos clássicos e fundamentais da luta de classe. Talvez seja hora de
continuar lutando e, ao mesmo tempo, catando cacos sem esquecer que não é o fim
da História, pois ela é dialética. Nem
tudo está perdido, pois como nos ensinou, mais uma vez o grande Antônio
Gramsci: “Meu estado de espírito sintetiza estes dois sentimentos e os supera:
sou pessimista com a inteligência, mas otimista com a vontade. Em cada
circunstância, penso na hipótese pior, para pôr em movimento todas as reservas
de vontade e ser capaz de abater o obstáculo”.
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