Prof. Dr. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)
Esse ano é bastante emblemático, do ponto de vista político. Afinal de contas, vão ocorrer eleições para prefeitos e vereadores. Cada candidato já deve ter começado a se preparar para atuar no palco da política, para encenar como atores de teatro. A essa altura muitos já devem está escrevendo os textos e os personagens a serem representados. Mais muita coisa acontece nos bastidores da política. Neles, algumas questões ficam silenciadas, a exemplo da temática que vou abordar nesse artigo.
É
preciso voltar ao título e perguntar o que os prefeitos do Cariri paraibano têm
realizado, de fato, para a implementação da Lei 10.639. Antes disso, é preciso
sintetizar a respeito do que delibera tal legislação. Trata-se da
obrigatoriedade do ensino da História e da cultura afro-brasileira nos
currículos educacionais brasileiros, desde a Educação Básica ao Ensino
Superior. Embora sancionada em 2003, pelo então presidente Lula, tal conquista
representa décadas de lutas realizadas pelo Movimento Negro para que se inclua
o africano e o afrobrasileiro no currículo enfrentando, dessa forma, os cânones
enraizados num modelo de educação colonialista ocidentalizante. É preciso
descolonizar o currículo, desembranquecê-lo, deseuropeizá-lo. As teorias
Pós-coloniais nos permitem fundamentos bastante pertinentes para essa luta
política, desde as precursoras palavras de Frantz Fanon e Edward Said. Afinal
de contas, não dá para continuar uma educação que reitere preconceitos contra
os africanos, os nativos, os afrobrasileiros e os orientais. Trabalhar pela
ótica da diferença, articulada com uma igualdade substantiva, requer cuidados
especiais no tratamento com as alteridades, não se pode mais comparar culturas,
nem tampouco tomar uma como padrão referencial, positivado de superioridade.
Meu
velho Cariri, aquele que um dia se cantou dizendo apenas deixá-lo no “último
pau de arara”, tem muito sangue negro e indígena correndo nas veias dos seus caririzeiros.
Também, foi por cima do sangue e da cultura nativa e afro-brasileira que os
colonizadores portugueses levantaram fazendas de gado e capelas católicas.
Aliás, foi o braço das etnias marginalizadas que deu sustentação aos pilares
básicos da colonização portuguesa na região. Disso, às vezes, muitos se
esquecem para continuar enaltecendo os feitos dos “heróis” brancos que,
degolando índios e ferrando negros, foram parar nas páginas de uma história
branca e nos topônimos de ruas e cidades.
Entretanto,
há que se ressaltar que o projeto colonialista não foi “aculturante” ao ponto
de eliminar resistências e continuidades de práticas culturais de matrizes
nativas e africanas. O exemplo disso são os terreiros de umbanda e candomblé,
espalhados pelo Cariri, embora vítimas de violência simbólica cometidas por
sujeitos que se enrolam no manto sagrado do cristianismo.
Diante
disso, e retornando ao título desse artigo, gostaria de fazer uma denuncia.
Pelo que tenho visto e ouvido de alunos do CDSA/UFCG e pelo que tenho
constatado nas formações continuadas que realizo com professores da rede
pública, ao que parece os prefeitos municipais da região do Cariri pouco têm
feito (se é que tem sido feito alguma coisa) no tocante a operacionalização da
Lei 10.639. Há um distanciamento, enorme, entre a letra da lei e as práticas
educacionais, estas ainda muito mais no âmbito do paradigma moderno
europeizante, machista, branco, burguês, heterossexual e cristão. O que vemos
por aí são práticas que só vêm reforçar preconceitos, discriminações e uma
cultura hegemônica. Basta passar pelos calendários escolares referendados pelas
Secretarias de Educação dos municípios: o Dia dos Pais e das Mães
(cristocêntrico), o Dia do Índio (folclorizado), o Dia da Pátria, o de
Tiradentes, a Proclamação da República (nacionalistas e heroicizantes). E o dia
20 de novembro, data da consciência negra, o que estão fazendo nossas escolas e
prefeituras caririzeiras? Silêncio
total!!!!!
A
Universidade está fincada no Cariri e temos interesses em trabalhar em parceria
com os municípios, aliás, já estamos fazendo um pouco isso por meio do PIBID,
entre tantos outros projetos. Mas constatamos que falta mesmo uma política de
viabilização para descolonizar os currículos, formação continuada para
professores, produção de material didático, com o agravante de que muitos
docentes ainda mantêm uma visão de mundo preconceituosa para com as culturas
africanas e afro-brasileiras.
É
hora de acordar. Estamos no século XXI e as teorias que nos chegam aos olhos de
hoje não permite mais aceitar discriminações e violências, permite-nos, pelo
contrário, compreender a historicidade dos preconceitos, das identidades e
alteridades como construções contingentes. Nesse ano de eleição é preciso
ouvir, perguntar, cobrar dos candidatos a prefeitos e vereadores que projetos
eles têm para descolonização curricular e para políticas afirmativas nas mais
variadas dimensões societárias.
Se
não fizermos algo, nossos alunos vão continuar achando que o índio é “selvagem”
e “preguiçoso” e que o negro é “raça inferior” a cultuar religiões do “diabo”.
Esse é o papel de gestores e educadores para o Cariri do Século XXI? Se for,
melhor fechar a escola e dá férias à prefeitura.
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