segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A PONTE PARA O PASSADO



 Prof. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)

Imaginemo-nos todos em cima de uma ponte. À frente de nós, na direção temporal da marcha anunciada para o futuro, se encontra um comandante golpista convidando-nos a passar a ponte e seguir no caminho moderno do futuro. O pior é que muita gente acredita que passando a ponte se realizará o reino da felicidade, sem comunismo e sem corrupção. Essas pessoas vestiram a camisa suja da CBF, bateram panelas e seguiram o suposto chefe. Do alto, sobrevoando a ponte em helicópteros isentos de pagamento de impostos, as raposas burguesas jogam file mignon para a massa manipulada que sonha com um sobrevoo, mas mal tem um automóvel. Resultado da ópera: o chefe destituiu a chefe, as classes dominantes desceram dos helicópteros para entregar a receita da política econômica e as frações da classe média que acompanharam o chefe foram por ele abandonadas. A ponte para o futuro era uma ilusão, uma ideologia de classe que mobilizou o golpe institucional reatualizando os discursos da crise econômica, do suposto comunismo e da hipermidiatizada corrupção.
A ponte do Temer não é o caminho em direção ao futuro. Não, ao menos, para o conjunto da classe trabalhadora brasileira. O Golpe parlamentar-midiático-jurídico de 2016 foi um golpe de classe. Já havia escrito sobre isso antes da sua consumação e agora tenho mais evidências concretas para sustentar essa afirmação. Com o golpe ainda em curso, pois acredito que ele ainda não consolidou o projeto das elites burguesas e nem decidiram também como inviabilizar uma candidatura de Lula 2018, o que vem acontecendo cotidianamente é um ataque frontal aos direitos sociais, um desmonte do Estado e a criminalização dos movimentos sociais. A ponte não é o caminho seguro para transpassar sobre o rio que nos levaria ao futuro. O chefão foi embora e se aliou com o povo do alto da FIESP. Os trabalhadores, em geral, abandonados, tiveram que recuar com caranguejos, pagando o pato que distribuíram na Paulista e agora todos nós estamos voltando ao tempo da senzala. Isso mesmo: a ponte nos leva ao passado, mas a um passado sombrio e perigoso, um passado que as gerações que nos antecederam combateram com unas e dentes para deixarem à nossa geração alguma coisa de conquista de direitos sociais. Foi na virada do século XIX para o XX que o movimento operário brasileiro, de tendência sindicalista-revolucionário, anarquista, comunista e socialista organizou a luta de classe. Fundaram sindicatos e federações, organizaram greves e insurreições, foram às ruas, às praças e ao chão da fábrica. Muitos foram presos e exilados. Outros foram torturados ou mortos. Portanto, foi com sangue se escreveu essa página da história social do trabalho no Brasil e foi com luta que se conquistou a Consolidação das Leis Trabalhistas durante o governo Vargas. Não como presente do pai dos pobres, como queria o ditador, mas como conquista histórica da luta de classe. O mesmo pode-se dizer do campo. Quantos movimentos sociais também não derramaram sangue lutando contra o latifúndio e o coronelismo? Que o diga, fazendo uma justa memória, camponeses e camponesas liderados por Conselheiro, José Lourenço, José Maria, João Pedro e Elizabeth Teixeira, Margarida Alves, Chico Mendes e tantos outros e outras. Como não lembrar eles em cada assentamento do presente? Como não ver nessa geração do passado o pouco em que avançamos na reforma agrária? Na universidade para índios e quilombolas mediante projetos como o PRONERA e o Brasil Quilombola?
Parece que nós estamos a caminho de retomar a luta deles, pois as conquistas do século XX estão se esvaindo e escapando às mãos nossas do século XXI. A ponte do passado nos joga para um tempo do eterno retorno. Para um tempo em que se torna mais difícil se aposentar, em que fica mais difícil estudar em universidades públicas, em que se torna mais limitado o acesso ao SUS e a casa própria e em que se a CLT pode sem implodida não sobrando pedra sobre pedra. A ponte para o passado tem nos levado a caminhos aos quais gostaria de visitar e para isso convido a todos a me fazer companhia. Inclusive o povo iludido da ponte do futuro e que agora só tem a opção de fazer uma marcha ré em direção ao passado. Ao final da viagem, espero que possamos voltar mais otimista para dar um salto do tigre em direção a uma temporalidade nova e feita pelas mãos da classe trabalhadora organizada.
Primeira entrada no passado. Nosso primeiro encontro é com o petróleo. Chegamos aos anos 1930 quando foram descobertas as primeiras jazidas de petróleo na Bahia. O Império com suas multinacionais avarentas arregalaram os olhos para nosso subsolo, quase furando de tanta inveja e cobiça. Mas estudantes, políticos nacionalistas de esquerda, classe trabalhadora, foram às ruas e fizeram a campanha O PETRÓLEO É NOSSO. O segundo governo Vargas, em resposta às ruas e aos setores nacional-trabalhista, pegou sua caneta e de dentro do Catete assinou a lei que criava a PETROBRAS, em 1953. É certo que depois eles se matou, mas antes deixou uma carta na qual acusava o Imperialismo. Entretanto, a cobiça sobre nosso petróleo e nosso gás não se enterrou juntamente com Getúlio. Em 1997, Fernando Henrique afirmou, peremptoriamente, que iria destruir a Era Vargas. Na onda da privataria tucana, FHC acabou com o monopólio da PETROBRÁS e assinou a lei do regime de concessãopara a exploração de petróleo, privilegiando, consideravelmente, empresas como a Esso e a Chevron. Durante o governo Lula, em vez do regime de concessão, o nosso pré-sal deveria ser explorado a partir do modelo de partilha, na qual a PETROBRÁS deveria ser a única operadora da exploração e apenas parte do petróleo e do gás ficaria nas mãos das multinacionais. Após o golpe de 2016, a Câmara Federal entrega nossas riquezas trilionárias ao grande capital internacional, honrando os compromissos do tucano José Serra e do golpista Michel Temer.
Segunda entrada no passado. Embora ainda não apresentada no Congresso, alguns ministros já andaram concedendo algumas entrevistas sobre a reforma trabalhista e reforma da previdência. Pelo visto, o que pode vir por aí significa que o negociado prevaleça sobre o legislado, matando, assim, a CLT. Também pode vir aumento de jornada de trabalho, terceirização sem limites, OS, fim de concurso público, aumento para idade de aposentadoria, aumento da contribuição do INSS e revisão severa nos benefícios concedidos pelo INSS. Esse conjunto de ataques é o preço que o trabalhador deve pagar pela crise econômica e fiscal, um remédio amargo do qual a burguesia nunca provou. A classe dominante paga menos impostos, superexplora a força de trabalho, mantém trabalho em condições análogas à escravidão e conta com crédito barato concedido pelo BNDES para tocar a acumulação do capital. Só precisa que o governo dê essa ajudinha, reformando a CLT e as regras da previdência, tida por eles como “atrasadas”, “dinossáuricas”.
Há uma farsa em relação ao discurso governista do déficit da previdência. É mentira. A professora de Economia da UFRJ, Drª Denise Gentil, demonstrou claramente em sua tese de doutorado que o Governo executa uma fraude contábil nos cálculos das receitas e despesas com a Seguridade Social. Esses cálculos são feitos de forma totalmente diferente do que diz a nossa Constituição Federal. Pelo Artigo 195 da Constituição, a Seguridade Social como um sistema de proteção social para os cidadãos e cidadãs tem como fonte de receita a contribuição do INSS, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuições para o PIS/PASEP, contribuições sociais sobre concurso de prognóstico, a exemplo de loteria. Entretanto, quando o governo computa a despesa com o pagamento de aposentados, pensionistas, auxílio-doença, etc, apenas considera a contribuição do INSS e não o conjunto das receitas. A título de exemplo, em 2014 a Seguridade Social obteve a receita de 686 bilhões de reais e a despesa de 632 bilhões o que significa um superávit de 53 bilhões. Nossa previdência é superavitária e se não fosse as aposentadorias gordas de juízes e políticos, seria mais ainda. Desse modo, precisamos rebater o discurso midiático governista burguês do tal déficit que não existe.
Terceira entrada no passado. A PEC 55/2016. Aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, segue ao Senado um dispositivo de classe que golpeia os trabalhadores com uma verdadeira punhalada. A maioria dos golpistas, incluindo o chefe-mor, insiste numa retórica de que essa emenda constitucional se trata de um “Novo Regime Fiscal” e culpa os governos anteriores por terem aumentado os gastos públicos em proporções maiores que a receita. Afinal, o que muda com essa PEC da Morte? Vamos ao passado. Em 1983, por meio da Emenda Calmon, constitucionalmente, o governo federal deveria gastar no mínimo 13% com educação e os governos estaduais e municipais, e o distrito federal, 25 %. Com a Constituição de 1988, com Educação o governo federal deve investir no mínimo 15% e os estados, municípios e o distrito federal 25% da receita líquida corrente; ao passo que com a saúde, o governo federal deve investir no mínimo 18% e os estados, municípios e o distrito federal, 25%. Com a aprovação da PEC, o Estado fica desobrigado constitucionalmente desse teto mínimo, que, para mim, já é irrisório, e passa a tomar como referência o valor a ser gasto em 2017 a partir do que foi orçado em 2016 com correção apenas da inflação do ano anterior, o que significa congelamento de gastos públicos por vinte anos. Chegaremos a 2037 com o mesmo orçamento de 2017. Se chegarmos vivos! Na justificativa do documento, o governo é claro: o descontrole das contas públicas é resultado de “um crescimento acelerado da despesa pública primária” e aos “gastos com diversas políticas públicas”, entretanto, não diz que de fato o que se quer é gerar um superávit primário de trilhões de reais para pagar o serviço da dívida e alimentar o capital financeiro. Estudiosos vêm fazendo simulações sobre a possibilidade dessa PEC já está em vigência desde 2006, o salário mínimo nacional hoje seria em torno de 400 reais. O orçamento da saúde que nesse ano de 2016 foi de 102 bilhões de reais, cairia para 65 bilhões e o da educação que em 2016 foi 103 bilhões cairia para 31 bilhões.
Quarta entrada ao passado. O direito de greve. Sabemos que o STF recentemente aprovou a legalidade do corte de ponto de grevistas, procurando inviabilizar a greve geral que vem se desenhando para novembro. Voltemos ao Golpe de 1964. A nova Lei de Greve (1964) reconhecia o direito de greve limitado a questões salariais, desde que fosse objeto de votação em Assembleia Geral organizada por sindicatos controlados pelo Estado (corporativistas) e esgotadas as possibilidades de negociação; foram proibidas greves de servidores da União, por motivo ideológico e ocupação de locais de trabalho por grevistas. Não é mera coincidência. É uma pena que nas universidades encontramos tantos alunos e professores contrários a greve e, assim, fazem coro com os togados da suprema corte ou dos mandarins da administração universitária.
Quinta entrada ao passado. Contra o método de alfabetização de Paulo Freire vieram o MOBRAL e as disciplina de Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica. Professores e estudantes combativos foram amordaçados, presos, torturados. Enquanto os livros da escola mostravam uma visão ufânica e nacionalista do pais do futebol. Pois bem. Aí está o famigerado projeto “Escola sem Partido”, que na verdade é a escola do partido do capital e do fundamentalismo religioso representado pela Bancada da Bíblica. Escola machista, misógina, lgbtfobista, racista e elitista. E junto a essa escola tecnicista vem a medida provisória que propõe reformar o ensino médio banalizando a profissão de professor e oferecendo a contrapartida do “notório saber”, retirando disciplinas como filosofia, sociologia, artes e educação física e com perda de carga horária de História e Geografia. Aqui aproveito para tirar meu chapéu para a estudantada que ocupa escolas, institutos federais e universidades Brasil afora. A luta de classe encontrou nessa juventude a energia da ação e do destemor. Esses jovens nem bateram panelas nem seguiram a ponte para o futuro. Ficaram no presente lutando por outro futuro, por outro Brasil que não este desenhado por William Boner, comentado por Carlos Alberto Sardenberg e Mirian Leitão e escrito por Reinaldo Azevedo.
Fomos ao passado. Encontramos labirintos e caminhos tortuosos. Mas ter consciência histórica ajuda muito a forma na luta. Por isso, convido todos e todas que voltemos dessa viagem munidos de conhecimento, vontade e sabedoria a fim de que possamos parar no presente e construir o futuro. Puxar o freio do trem, para usar uma metáfora de Walter Benjamin, não se iludir com a ponte do futuro e correr na sua direção. O caminho da classe trabalhadora é a contrapelo, realizar os sonhos e projetos do passado, mas também lutar pela manutenção do patrimônio social que os trabalhadores do passado colocaram em nossas mãos. Se quisermos deixar um Brasil melhor para nossos filhos e netos temos que ocupar, ocupar, ocupar... fazer uma grande greve geral, derrubar esse governo e impedir que o destino do Brasil possa ser conhecido 20 anos antes.


quinta-feira, 15 de setembro de 2016

GURJÃO: DOS PRIMÓRDIOS À CIDADE

Eliete de Queiroz Gurjão (Professora Aposentada- UFPB e UEPB)

1 TERRAS DOS CARIRIS OCUPADAS POR FAZENDAS DE GADO
           
            O município de Gurjão situa-se no Estado da Paraíba, na microrregião do Cariri Oriental que se insere na mesorregião da Borborema.
            A denominação cariri tem sua origem nos nativos desta área. Os portugueses, inicialmente, denominavam de tapuias todos os primitivos habitantes do interior. Os tapuias ocupavam esta imensa área e segundo  estudos mais recentes estavam divididos em duas nações: cariris e tarairiús. A primeira, a nação cariri, habitava a microrregião que leva seu nome, enquanto os tarairiús ocupavam outras áreas do interior. Viviam ambas em perfeita integração com a natureza e de acordo com seu estágio cultural (paleolítico superior) até o século XVII, quando os sertanistas iniciaram a invasão de suas terras e sua captura, submetendo-os à escravidão ou à catequese, com o auxílio das ordens religiosas.
            O impulso para a conquista e ocupação das terras do interior do Nordeste foi gerado pela  expansão do mercado açucareiro. Em meados do século XVII a economia açucareira atingiu seu apogeu; havia necessidade crescente de ampliar a produção para atender a demanda do comércio.  Neste sentido, as melhores terras do litoral precisavam serem exclusivas para o cultivo da cana e de sua lavoura de subsistência, não havendo mais espaço para a expansão da pecuária. Daí porque, o rei de Portugal decretou a proibição de criar gado até vinte léguas do litoral. Ao mesmo tempo, estimulou a doação de sesmarias (lotes de terra) no interior com a finalidade de estabelecer fazendas de gado. No início , as sesmarias eram doadas àqueles que haviam combatido e expulsado os nativos, "limpando o terreno" , conforme se expressavam nessa época. Em consequência, ocorreram as entradas, expedições organizadas para conquista das terras dos nativos e sua submissão ou escravização, inclusive com base no princípio da guerra justa, ou seja, índio que resistisse era justo ser escravizado. Os índios que se rendiam eram reunidos e catequisados nas aldeias, ou missões, associando, assim, o empenho dos religiosos ao dos colonizadores.
            A partir da segunda metade do século XVII, seguindo o curso do rio São Francisco e de seus afluentes, foi iniciada a conquista e ocupação das terras do interior do Nordeste por sertanistas provenientes da Bahia e do litoral de Pernambuco. Submetidos os nativos e instaladas as missões, seguiam-se requerimentos para concessões de terras para criação de gado. As fazendas de gado foram, por conseguinte, os embriões do povoamento de todo o interior, centralizando as atividades produtivas e gestando uma economia fundamentalmente rural. Seus aglomerados populacionais constituíam prolongamento do campo, tendo como atividade principal a feira de gado e mantimentos. Os centros politico-administrativos eram as vilas que funcionavam como sedes de município, comarca e diocese.
             Em 1669 foi doada uma sesmaria no Cariri para instalação de fazenda de gado que originou a  Vila Real de São João, cujo crescimento deu-lhe posição de destaque entre os centros urbanos do interior. Seu território compreendia vários distritos, entre os quais Timbaúba.

2  DE TIMBAÚBA À GURJÃO

           
            Segundo Irinêo Joffily, (s/d ) o território de São João do Cariri era habitado pela tribo sucurú, pertencente à nação cariri. Considerando que Timbaúba  ocupava a mesma região, deduz-se que os sucurús também ocupavam seu território.
            No contexto da primeira metade do século XVIII, em 1733, ocorreu a doação da sesmaria  e instalação da fazenda de gado que constituiu o núcleo original de Timbaúba. Posteriormente, outras fazendas de gado foram criadas e nelas funcionavam os "arranchos" conforme depoimento do Sr. Abdias Olinto, antigo morador que presenciou os últimos anos do século XIX.
            O Sr. Abdias descreveu os "arranchos" como currais, cujo objetivo era o aluguel para o abrigo dos rebanhos conduzidos pelos boiadeiros para as feiras de gado de Campina Grande e Pocinhos. Os boiadeiros muitas vezes viajavam durante seis meses, provenientes do sertão paraibano e até do Piauí. No "comércio" (mercado) alojavam-se os "tangerinos", responsáveis por "tanger", ou seja, direcionar o rebanho durante a caminhada. Os "arrieiros" chegavam antes, conduzindo grandes tachos e ingredientes afim de preparar as refeições dos boiadeiros. O informante acrescentou, ainda, que era comum a utilização de liteiras puxadas por animais para transportar os homens que adoeciam durante a caminhada.
            A produção da pecuária local destinava-se apenas ao consumo interno, assim como a agricultura de subsistência que era limitada pelas constantes estiagens. No século XIX o algodão, sobretudoo arbóreo, já despontava, adaptando-se ao clima e resistindo às secas muito contribuiu para o desenvolvimento posterior do município. Em 1914, transportado no lombo de animais, o algodão produzido em Timbaúba já era vendido para o mercado de Campina Grande,.
            A mão de obra escrava muito utilizada no litoral, também o foi  no cariri. Próximo à abolição o município de São João, incluindo Timbaúba, destacava-se entre os maiores escravocratas, conforme comprova Celso Mariz (1939, p. 37)  " Em 1885 tínhamos (o Estado) ainda 9.207 escravos homens e 10.571 mulheres. Possuíam escravos em maior número os municípios de São João do Cariri, Capital, Mamanguape, Itabaiana [...] "
            Na segunda metade do século XIX a Paraíba foi vítima de duas epidemias de Cólera, a primeira em 1856 e a segunda em 1862. Segundo José Leal (1965, p. 264 ) a primeira teve início em São João:
                                  
A invasão da província pelo Cólera-Morbus verificou-se através da fronteira de Pernambuco, manifestando-se a princípio em São João do Cariri e em Taquara [...] Nessa primeira investida do Cólera- Morbus morreram 25.390 pessoas, sendo esta a contribuição de várias áreas: Cariri 1703; Capital e zona litorânea 5.741[...] "

            A segunda epidemia marcou definitivamente a história de Timbaúba. Seus habitantes, apavorados com o avanço da epidemia e sem contar com assistência médica recorriam à providência Divina e aos santos. São Sebastião, por ser conhecido como defensor contra a peste, fome e guerra, foi o mais invocado, inclusive através de promessas.
            Nove anos após esta epidemia, em 1871, um grupo de proprietários de terras de Timbaúba, entre os quais o coronel Antônio José Gurjão, fez a doação do patrimônio para a construção de uma capela em homenagem a São Sebastião, conforme declara em documento lavrado em cartório: " Escritura de doação para patrimônio da Capela do Senhor São Sebastião que se tem de erigir em Timbaúba deste Termo [...] " (folha 1 da Escritura de Doação, 1871).
            Foi construída a capela de São Sebastião, santo eleito padroeiro do povoado. Até hoje ele permanece padroeiro e a tradição é mantida, inclusive, com ritual e comemoração, através de procissão e festa anual em homenagem ao santo, em 20 de janeiro.
            Em 1890 apesar de já se constituir como povoado, Timbaúba ainda era um povoado muito pequeno e mal aparelhado, conforme o descreve um antigo habitante local, Raulino Maracajá,  em cujo  Diário (1958, p. 43) afirma:

                           Timbaúba do Gurjão
                                Antigamente era uma fazenda.
                                Era assim conhecida por ter residido ali o cel. Antonio José de Farias                                       Gurjão, grande fazendeiro e proprietário...
                        No ano de 1890 mais ou menos, foi quando vim a conhecer                                                             Timbaúba, já era povoação.
                               Existia umas 10 a 12 casas, uma casa velha de tijolo em preto sem                                           ladrilho a qual servia de comércio ou mercado.
                                A capela muito grande e mal edificada.
                                Uma bodega mal sortida, talvez as mercadorias não chegassem a                                             importância de 300 mil reis[...]

            A primeira rua do povoado situou-se em frente à capela. Atualmente é uma das principais artérias da cidade e recebe a denominação de Luis Queiroz, antigo mestre do município. Somente em 1921 o povoado foi elevada à condição de distrito, conservando o nome de Timbaúba e subordinado ao município de São João do Cariri. Em 1924 foi implantado o cartório, submetido à comarca de São João.
            Em 1943 recebeu a denominação de Gurjão. Sua elevação à categoria de município só ocorreu em 02 de janeiro de 1962 ( Dec. no. 2.447), incorporando o distrito de Santo André.
             A deficiência dos meios de transporte e comunicação muito contribuiu  para retardar o desenvolvimento de Gurjão. Até mesmo quando ferrovias já ligavam várias cidades paraibanas no início do século XX e mais adiante, quando o sistema rodoviário já ligava o interior ao litoral do Estado, Gurjão permaneceu isolado.
            Situado na área mais seca da Paraíba, o município de Gurjão, no decorrer de sua história, vem enfrentando muitos períodos de estiagens. Além disto, a agricultura local é prejudicada pelas condições de um solo muito pedregoso  e alta salinidade.
            O problema das secas, a falta de assistência governamental, o isolamento resultante da carência de meios de transportes e comunicações, em conjunto, constituíram motivos para o ritmo lento do desenvolvimento local. Acrescente-se a tudo isto a emigração de grande parte de sua mão de obra, atraída pelas melhores condições de trabalho no Rio de Janeiro e São Paulo. Tratou-se do êxodo Nordeste-Sudeste, acentuado  durante a segunda metade do século passado e aprofundado a partir dos anos sessenta com a construção de Brasília e a consequente expansão da fronteira para o Centro-Oeste.
            Enfim, Gurjão sobreviveu em meio às dificuldades seculares acima apontadas e no século atual caminha de forma mais acelerada, o que vem repercutindo favoravelmente no desenvolvimento urbano da sede do município.
                                               
REFERÊNCIAS

Bibliográficas

ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. João Pessoa: Ed. Universitária, UFPB,1978.
GURJÃO, Eliete de Queiroz. (org). Estudando a história da Paraíba. Campina Grande:: Ed.Cultura Nordestina, 1999.
HERCKMANS, Elias. Descrição geral da capitania da Paraíba. João Pessoa:
A UNIÃO Ed., 1982.

JOFFILY, Irinêo. Notas sobre a Paraíba. Brasília:  Ed. Thesaurus, s/d.

LEAL, José. Itinerário da história. João Pessoa: 1965.

TAVARES, João de Lyra. Apontamentos para a história territorial da
Parahyba. Mossoro: Coleção Mossoroense, 1982.

MARIZ, Celso. Evolução econômica da Paraíba. João Pessoa: A União
Editora, 1939.

 Documentais

Escritura de doação para patrimônio da capela do Senhor São Sebastião. Comarca de São João, 1871. Arquivo do Cartório de São João do Cariri.

MARACAJÁ, Raulino. "O Meu Diário", Gurjão: 1958.

sábado, 7 de maio de 2016

AREIA: POR UMA MEMÓRIA E PATRIMÔNIO A CONTRAPELO



Prof. Dr. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)

Areia. Cidade patrimônio histórico nacional tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), no ano de 2006. Terra do romancista e político, José Américo de Almeida e dos pintores Aurélio de Figueiredo e de seu irmão, Pedro Américo. Cidade rota turística dos “Caminhos do Frio”, da Cachaça Triunfo, do famoso Teatro Minerva (1859) e da, igualmente, famosa, Escola de Agronomia (1936).
São esses os mais expressivos símbolos da identidade local areiense, pois são eles os referenciais simbólicos que a identifica para muitos. Porém, conforme nos mostra Stuart Hall, as identidades são construções históricas, múltiplas, móveis e contraditórias. Em sendo assim, as identidades locais também são inventadas no tempo e pela ação, seletiva, dos homens e mulheres. Nesse processo histórico, as identidades são modeladas a partir do que o historiador Eric Hobsbawm denomina de tradição inventada, um conceito que permite a desnaturalização e a concepção a-histórica do conceito de tradição.
Amparado nessa fundamentação teórica, podemos dizer que a memória e o patrimônio selecionados para serem lembrados como parte da tradição e da identidade local da cidade de Areia, é bastante seletivo, porque feito pelas e para as elites dirigentes canavieiras que, juntamente ao controle do poder político e econômico também não abrem mão do poder simbólico dos lugares de memórias de feição oficialesca.
Por outro lado, se há uma memória oficial das classes dominantes, realçada na pedra e cal do tombamento do IPHAN, outras narrativas e tantos outros narradores foram jogados para o mundo subterrâneo da memória, para os porões do silêncio e do esquecimento dos quais nos fala o filósofo Paul Ricoeur. Como encontrar outros símbolos para rememorar o município de Areia? Procurando, não no tombamento do IPHAN, mas no tombamento da vida para a morte, nos excluídos da História e nos esquecidos nas covas anônimas e na poeira escaldante dos cemitérios. Quantos índios e negros escravizados foram utilizados para construir esse patrimônio elitista, cristocêntico, branco e europeizante? Quantos trabalhadores e trabalhadoras de engenhos e usinas suaram o corpo e arderam nas chagas do chicote e do tronco para fazer com lágrimas salgadas as doçuras que saem da cana de açúcar para os bolsos dos senhores e usineiros? Quantos braços não foram engolidos pela prensa que também devora energia de gente na mesma proporção com que faz moer a cana? Quem construiu o Teatro, a Igreja, o casario colonial, a casa grande? Certamente, não foram as elites agrárias, mas a “corveia anônima de oprimidos” da qual nos fala Walter Benjamin.
O conceito de História e de cultura em Benjamim nos ensina a escovar o tempo a contrapelo, indo no sentido contrário a temporalidade linear do “progresso” e buscando nos escombros do passado as vítimas e seus projetos impedidos e derrotados. A cultura é definida por ele a partir do horror e não da monumentalidade, pois “nunca houve um monumento da cultura que também não fosse um monumento da barbárie”. (BENJAMIN, 1994, p. 225). Os bens culturais sobre os quais posamos para tirar fotografia ou que são vendidos pela indústria do turismo geralmente estão manchados de sangue e de suor, pois foram erguidos pelo braço indígena ou do africano escravizado que, além de plantarem, cortarem e moerem cana, também ergueram igrejas, sobrados, teatros, engenhos, e que sequer são lembrados por esse trabalho, como se fossem desprovidos de saber.
Areia é parte do Nordeste açucareiro escravocrata dos tempos da colônia e do Império. Areia também se insere no processo de modernização da economia açucareira a partir da implantação de usinas na primeira metade do século XX. Usinas das gigantes chaminés, do saber técnico-científico, das esteiras para puxar a cana, das moendas novas e dos mecânicos, das modernas balanças e da relação com sistema de crédito, são as mesmas usinas da fome de terra, do retirante, do pagamento em vale e do barracão, do fim do roçado e da poluição do rio. O “progresso” tem um outro lado que expressa a exploração, a desigualdade social e a concentração de renda. O “progresso” tem uma conotação de classe social e se confunde com o avanço do Capitalismo cujo modo de produção objetiva o lucro a qualquer custo, sobretudo, retirando da força de trabalho a acumulação do capital. E no caso da modernização da economia açucareira do inicio do século XX, cabe ainda ressaltar que ela sequer fora acompanhada das modernas relações sociais de produção, pois não foi a mão de obra assalariada que se configurou, mas o pagamento em vales a serem trocados no barracão, o cambão, o arrendamento, o foro, relações sociais questionadas nos anos 1950 pelas Ligas Camponesas.
As usinas engoliram engenhos, terra e gente. E muitos trabalhadores e trabalhadoras do passado foram triturados por elas, moídos como cana, sem poder fazer muita coisa. Nós do presente, podemos pagar essa dívida ética com as gerações que nos antecederam no tempo acertando as contas com o atual agronegócio, pois como nos ensina Benjamin, apenas a geração atual pode redimir os sonhos e projetos derrotados do passado no presente-futuro.



segunda-feira, 28 de março de 2016

CONTRA O GOLPE E POR UMA DEMOCRACIA COM INCLUSÃO SOCIAL

Gostaria de iniciar demarcando meu lugar ideológico. Sou um historiador marxista e, portanto, crítico mordaz do capitalismo, ao mesmo tempo em que defendo projetos alternativos ao exclusivismo do Deus do mercado. Digo isso, para reafirmar minhas críticas ao atual governo federal e aos demais governos estaduais e municipais que vêm fazendo ajuste fiscal sobre os ombros da classe trabalhadora: com retirada de direitos, repressão e criminalização dos movimentos sociais, a exemplo da Lei antiterrorista sancionada por Dilma em plena crise política e, paradoxalmente, no momento em que o governo mais precisa dos movimentos sociais. E tudo isso para salvar a fatia de mais de 46 % do orçamento da União para pagar juros da dívida pública e alimentar a ganância concentracionista dos grandes banqueiros. E continuarei fazendo críticas propondo sempre uma saída à esquerda.
Entretanto, um dos horizontes concreto de possibilidade história na curta duração, pode ser uma saída ainda mais à direita, talvez e, lastimavelmente, conduzida por uma direita fascista já operante cotidianamente nas ruas e nos tribunais. Daí por que se faz necessário uma reflexão sobre esse momento a fim de que saibamos agarrar a oportunidade no instante do seu relampejar, para usar uma metáfora do grande Walter Benjamin.
Não precisamos ir muito longe para concluir que existe uma tentativa de golpe em marcha no Brasil. Sua operacionalização é conduzida por um bloco histórico formado pelas classes dominantes brasileiras e pelo o capital multinacional, apoiados na grande mídia e no aparato judiciário e representados por políticos conservadores e neoliberais. Para mim, não se pode pensar a tentativa de golpe apenas de forma endógena, pois a raiz está no histórico imperialismo estadunidense. O roteiro é, mais ou menos, o seguinte: o governo Dilma rompeu com a ALCA e fortaleceu uma política internacional e econômica com a América Latina. Integrou o Brasil ao BRICS sugerindo uma alternativa monetário/financeira em relação à política do FMI e do Banco Mundial que vigora desde o apagar das chamas derradeiras da Segunda Guerra Mundial; adesão essa que fez sair da boca de um Agente Britânico de Inteligência o seguinte comentário recente (19 de março de 2016): "o Brasil é o primeiro do quinteto BRICS a quebrar em tantas frentes ao mesmo tempo, enquanto a Rússia e África do Sul estão ambos em profunda crise e sendo que a China está perdendo US$ 100 bilhões de reservas em moeda externa ao mês. Só a Índia está conseguindo navegar. O conceito BRICS tornou-se sem sentido (...) o impulso do impeachment da senhora Rousseff parece não ter freios". Ele acrescenta que “os mercados estão esperando que o atual vice-presidente Michel Temer assuma e agarre as rédeas da austeridade e de reforma à frente de um governo pró-mercado".
Por fim, em vez do regime de concessão, o governo Dilma optou pelo regime de partilha em relação ao pré-sal, deixando de fora empresas estadunidenses como a Esso, a Shell (da qual a esposa do juiz Sérgio Moro é advogada) e a Chevron. Em seguida, Dilma e a PETROBRAS passaram a ser espionados pelos Estados Unidos, fazendo com que a presidente chegasse a cancelar uma visita ao país e ao encontro que teria com o presidente Barack Obama. É nesse bojo que apareceu a operação lava jato. Ela é filha do pré-sal. A lava jato deve ser compreendida na sua articulação com a escala global do jogo político do capitalismo globalizado. Mas os agentes externos têm suas articulações internas, como o caso da Rede Globo e do PSDB. É preciso criar e repetir um discurso de que a PETROBRAS é um poço de corrupção, que ela está com problemas financeiros dados os desvios, que não tem condições de ser a única operadora do pré-sal. Tem sido assim no capitalismo neoliberal: é preciso criar e consolidar a ideia de que as empresas públicas são expressões de sucateamento, para justificar sua privatização. O Deus do mercado é que dá as cartas. E a ideologia aparece quase como um mundo inelutável e inevitável, como se a empresa pública deva ser riscada do mapa e extinta da terra tal qual foram os dinossauros.
Não é de hoje que as multinacionais estadunidenses arregalam seus olhos para o nosso subsolo petrolífero. Assim fora no inicio dos anos 1950, quando os nacionalistas conquistaram do presidente Vargas a criação da PETROBRÁS como uma empresa 100 % estatal e nacional, contrariando as forças imperialistas que ajudaram Getúlio dar um tiro no próprio peito. A conquista de 1953 foi se desfazendo durante o governo FHC com a quebra de monopólio da PETROBRAS e, com continuidade dos governos Lula e Dilma, com a venda de ativos da empresa na Bolsa de Valores, contribuindo para sua desnacionalização e privatização. Mas a ambição da burguesia internacional não tem limites, daí se explica o fato de que ela quer nosso pré-sal e o restinho que nos sobrou da PETROBRAS.
Por outro lado, as várias frações da burguesia brasileira romperam com o governo Dilma e sua política de conciliação de classe, cujo símbolo mais representativo, no momento, é a campanha realizada pela FIESP a favor da manutenção de militantes em favor do impeachment em frente a sua sede na Avenida Paulista. A imagem que me vem à mente na atual conjuntura é aquela dos filhos rebeldes que começam a se revoltarem contra os pais e abandonarem o lar no qual se hospedou e se alimentou durante um bom tempo. Pois bem, a grande mídia, a bancada evangélica e fundamentalista, a bancada ruralista, a burguesia industrial, todas elas estão saindo acenando com um “tchauzinho” para o governo Dilma e correndo atrás de um governo Temer/Aécio/Cunha/Renan, do qual podem tirar ainda mais proveito no sentido de acumulação de capital. O filho quer um novo pai, muito mais mão aberta; um paizão, daqueles que não medem esforços para abrir os bolsos em proveito do filho resmungão que quanto mais tem, mais quer ter, e ser. A propósito, gostaria de citar um trecho do Jornal Esquerda Diário, com o qual concordo:

“O poder de Moro vem de que apesar do governo Dilma se esforçar em agradar aos interesses do grande capital, apesar de oferecer a lei que amplia as privatizações [Lei PLS 555], de promover cortes na educação e em toda a área social, de alimentar como pôde à direita neoliberal e repressiva e prometer ir além nos ataques trabalhistas que já vem fazendo, isso tudo ainda é pouco para o imperialismo na sua crise atual (...) Não é acidental que haja atos contra Dilma nas portas da Fiesp: o grande capital necessita de um governo mais colado na Fiesp, mais “ajustador” que Dilma, sem relação com os sindicatos. Os mesmos sindicatos que o lulo-petismo aparelhou e trata de manipular – via burocracia da CUT – para não se mobilizarem contra os ataques do governo petista contra o mundo do trabalho e cortes sociais de todo tipo. A esquerda do “fica Dilma” tem razão em combater e denunciar o impeachment como golpe, ou as ações do “Lava a Jato” como seletivas e, neste caso, golpistas, mas está estrategicamente equivocada ao não se mobilizar contra os ajustes da Dilma(...). Em nome da democracia em abstrato, preserva um governo que marcha a passos largos em medidas antinacionais , antidemocráticas e antitrabalhistas ao mesmo tempo em que, por essa via, abre caminho para a direita, aduba o terreno para o “partido do judiciário” pró-imperialista. Por isso os juízes escolhem qual o corrupto querem escutar, qual político levam “coercitivamente”, qual político é escrachado publicamente, qual esquema de corrupção vão por na pauta [merendão, trensalão do Alckmin, Furnas de Aécio por exemplo, não entram] e assim por diante. Eles funcionam como partido político: o mesmo juiz que marchou nas ruas com a direita pela manhã, mais tarde vai e solta uma “ordem” judicial contra a posse do Lula ministro. O juizado é um partido de classe, nem polícia nem juiz está ao lado da classe trabalhadora. O que o nada neutro Moro representa de fato é um partido que procura impor não o “fora todos”, mas o “fora este governo” e que “venha outro que acelere” a direitização da Dilma. (...) A cruzada do juiz Moro, e a seletividade dos seus ataques, obedece a interesses econômicos antinacionais e nada éticos. Daí o destaque midiático, daí tanta musculação”. (Esquerda Diário, 19 mar. 2016)
Sobre o papel de uma considerável fração da classe média brasileira, tendo a concordar com Marilena Chauí: “é uma multidão com ódio e sem proposta”, é racista, fascista e homofóbica, sem falar no incomensurável preconceito de classe social. Como se fala muito nas redes sociais, se trata de uma classe média que não aceita a abolição, não quer ver índios, negros, domésticas e camponeses nas universidades, aeroportos, e outros lugares, tradicionalmente, ocupados por uma elite. Essa fração da classe média, em 1964, andava pelas ruas desfiando um rosário e entoando o discurso ideológico “Deus, Pátria e Família”. Agora, trocaram o rosário pelas panelas, vivem a batê-las das sacadas de glamourosos apartamentos na zona nobre das cidades e comendo filé mignon em frente a FIESP, embora permaneça o discurso de extrema direita “Deus, Pátria e Família”. Não sabe essa classe média que o projeto do impeachment é um projeto do grande capital para sair da crise econômica e que ela também será prejudicada caso esse projeto seja vencedor. Na boca voraz e faminta da burguesia entra todo alimento da economia e não sobrará muito para a classe média, muito menos ainda para a classe trabalhadora.
Para concluir, gostaria de conclamar os companheiros e companheiras que se juntam nesse ato em defesa da Democracia, para que continuemos firmes na luta por uma Democracia participativa e com inclusão social e que, façamos a crítica ao governo Dilma no que concerne as suas políticas econômica, fiscal, trabalhista, educacional, agrária, que vem desmontando o serviço público; abrindo caminho avassalador para as privatizações e terceirizações; que veta a auditoria da dívida pública; que não taxa as grandes fortunas; que não titula terras indígenas, quilombolas e de acampados; que retira recursos das universidades públicas para jogar para o capital multinacional privado via FIES; que sinaliza com uma reforma previdenciária que aumenta ainda mais a idade da aposentadoria; que faz acordo com os tucanos para entregar o pré-sal; portanto, não basta lutar pela sustentação do governo, mas os movimentos vermelhos de esquerdas que garantiram sua vitória no segundo turno e que podem ser a única possibilidade de aniquilar o impeachment devem, também, disputar o governo com o empresariado, os latifundiários e os banqueiros. O governo nos deve muito esse apoio de ruas e de urnas, pois ainda somos fieis em tempos sombrios e o governo parece trabalhar com essa nossa fidelidade, contra nós. A luta de classe deve ser permanente, com ou sem o golpe, sob o risco de apenas manter a presidente, ou trocar de presidente, e só.