Prof. José Luciano de Queiroz Aires (UFCG)
Imaginemo-nos
todos em cima de uma ponte. À frente de nós, na direção temporal da marcha
anunciada para o futuro, se encontra um comandante golpista convidando-nos a
passar a ponte e seguir no caminho moderno do futuro. O pior é que muita gente
acredita que passando a ponte se realizará o reino da felicidade, sem comunismo
e sem corrupção. Essas pessoas vestiram a camisa suja da CBF, bateram panelas e
seguiram o suposto chefe. Do alto, sobrevoando a ponte em helicópteros isentos
de pagamento de impostos, as raposas burguesas jogam file mignon para a massa
manipulada que sonha com um sobrevoo, mas mal tem um automóvel. Resultado da
ópera: o chefe destituiu a chefe, as classes dominantes desceram dos
helicópteros para entregar a receita da política econômica e as frações da
classe média que acompanharam o chefe foram por ele abandonadas. A ponte para o
futuro era uma ilusão, uma ideologia de classe que mobilizou o golpe
institucional reatualizando os discursos da crise econômica, do suposto
comunismo e da hipermidiatizada corrupção.
A
ponte do Temer não é o caminho em direção ao futuro. Não, ao menos, para o
conjunto da classe trabalhadora brasileira. O Golpe
parlamentar-midiático-jurídico de 2016 foi um golpe de classe. Já havia escrito
sobre isso antes da sua consumação e agora tenho mais evidências concretas para
sustentar essa afirmação. Com o golpe ainda em curso, pois acredito que ele
ainda não consolidou o projeto das elites burguesas e nem decidiram também como
inviabilizar uma candidatura de Lula 2018, o que vem acontecendo cotidianamente
é um ataque frontal aos direitos sociais, um desmonte do Estado e a
criminalização dos movimentos sociais. A ponte não é o caminho seguro para
transpassar sobre o rio que nos levaria ao futuro. O chefão foi embora e se aliou
com o povo do alto da FIESP. Os trabalhadores, em geral, abandonados, tiveram
que recuar com caranguejos, pagando o pato que distribuíram na Paulista e agora
todos nós estamos voltando ao tempo da senzala. Isso mesmo: a ponte nos leva ao
passado, mas a um passado sombrio e perigoso, um passado que as gerações que
nos antecederam combateram com unas e dentes para deixarem à nossa geração
alguma coisa de conquista de direitos sociais. Foi na virada do século XIX para
o XX que o movimento operário brasileiro, de tendência
sindicalista-revolucionário, anarquista, comunista e socialista organizou a
luta de classe. Fundaram sindicatos e federações, organizaram greves e
insurreições, foram às ruas, às praças e ao chão da fábrica. Muitos foram
presos e exilados. Outros foram torturados ou mortos. Portanto, foi com sangue
se escreveu essa página da história social do trabalho no Brasil e foi com luta
que se conquistou a Consolidação das Leis Trabalhistas durante o governo
Vargas. Não como presente do pai dos pobres, como queria o ditador, mas como
conquista histórica da luta de classe. O mesmo pode-se dizer do campo. Quantos
movimentos sociais também não derramaram sangue lutando contra o latifúndio e o
coronelismo? Que o diga, fazendo uma justa memória, camponeses e camponesas
liderados por Conselheiro, José Lourenço, José Maria, João Pedro e Elizabeth
Teixeira, Margarida Alves, Chico Mendes e tantos outros e outras. Como não
lembrar eles em cada assentamento do presente? Como não ver nessa geração do
passado o pouco em que avançamos na reforma agrária? Na universidade para
índios e quilombolas mediante projetos como o PRONERA e o Brasil Quilombola?
Parece
que nós estamos a caminho de retomar a luta deles, pois as conquistas do século
XX estão se esvaindo e escapando às mãos nossas do século XXI. A ponte do
passado nos joga para um tempo do eterno retorno. Para um tempo em que se torna
mais difícil se aposentar, em que fica mais difícil estudar em universidades
públicas, em que se torna mais limitado o acesso ao SUS e a casa própria e em
que se a CLT pode sem implodida não sobrando pedra sobre pedra. A ponte para o
passado tem nos levado a caminhos aos quais gostaria de visitar e para isso
convido a todos a me fazer companhia. Inclusive o povo iludido da ponte do futuro
e que agora só tem a opção de fazer uma marcha ré em direção ao passado. Ao
final da viagem, espero que possamos voltar mais otimista para dar um salto do
tigre em direção a uma temporalidade nova e feita pelas mãos da classe
trabalhadora organizada.
Primeira
entrada no passado. Nosso primeiro encontro é com o petróleo. Chegamos aos anos
1930 quando foram descobertas as primeiras jazidas de petróleo na Bahia. O
Império com suas multinacionais avarentas arregalaram os olhos para nosso
subsolo, quase furando de tanta inveja e cobiça. Mas estudantes, políticos
nacionalistas de esquerda, classe trabalhadora, foram às ruas e fizeram a
campanha O PETRÓLEO É NOSSO. O segundo governo Vargas, em resposta às ruas e
aos setores nacional-trabalhista, pegou sua caneta e de dentro do Catete
assinou a lei que criava a PETROBRAS, em 1953. É certo que depois eles se
matou, mas antes deixou uma carta na qual acusava o Imperialismo. Entretanto, a
cobiça sobre nosso petróleo e nosso gás não se enterrou juntamente com Getúlio.
Em 1997, Fernando Henrique afirmou, peremptoriamente, que iria destruir a Era
Vargas. Na onda da privataria tucana, FHC acabou com o monopólio da PETROBRÁS e
assinou a lei do regime de concessãopara a exploração de petróleo, privilegiando,
consideravelmente, empresas como a Esso e a Chevron. Durante o governo Lula, em
vez do regime de concessão, o nosso pré-sal deveria ser explorado a partir do
modelo de partilha, na qual a PETROBRÁS deveria ser a única operadora da
exploração e apenas parte do petróleo e do gás ficaria nas mãos das
multinacionais. Após o golpe de 2016, a Câmara Federal entrega nossas riquezas
trilionárias ao grande capital internacional, honrando os compromissos do
tucano José Serra e do golpista Michel Temer.
Segunda
entrada no passado. Embora ainda não apresentada no Congresso, alguns ministros
já andaram concedendo algumas entrevistas sobre a reforma trabalhista e reforma
da previdência. Pelo visto, o que pode vir por aí significa que o negociado
prevaleça sobre o legislado, matando, assim, a CLT. Também pode vir aumento de
jornada de trabalho, terceirização sem limites, OS, fim de concurso público,
aumento para idade de aposentadoria, aumento da contribuição do INSS e revisão
severa nos benefícios concedidos pelo INSS. Esse conjunto de ataques é o preço
que o trabalhador deve pagar pela crise econômica e fiscal, um remédio amargo
do qual a burguesia nunca provou. A classe dominante paga menos impostos,
superexplora a força de trabalho, mantém trabalho em condições análogas à
escravidão e conta com crédito barato concedido pelo BNDES para tocar a
acumulação do capital. Só precisa que o governo dê essa ajudinha, reformando a
CLT e as regras da previdência, tida por eles como “atrasadas”,
“dinossáuricas”.
Há
uma farsa em relação ao discurso governista do déficit da previdência. É
mentira. A professora de Economia da UFRJ, Drª Denise Gentil, demonstrou
claramente em sua tese de doutorado que o Governo executa uma fraude contábil nos cálculos das
receitas e despesas com a Seguridade Social. Esses cálculos são feitos de forma
totalmente diferente do que diz a nossa Constituição Federal. Pelo Artigo 195
da Constituição, a Seguridade Social como um sistema de proteção social para os
cidadãos e cidadãs tem como fonte de receita a contribuição do INSS,
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição Social para o
Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuições para o PIS/PASEP,
contribuições sociais sobre concurso de prognóstico, a exemplo de loteria.
Entretanto, quando o governo computa a despesa com o pagamento de aposentados,
pensionistas, auxílio-doença, etc, apenas considera a contribuição do INSS e
não o conjunto das receitas. A título de exemplo, em 2014 a Seguridade Social
obteve a receita de 686 bilhões de reais e a despesa de 632 bilhões o que
significa um superávit de 53 bilhões. Nossa previdência é superavitária e se
não fosse as aposentadorias gordas de juízes e políticos, seria mais ainda. Desse
modo, precisamos rebater o discurso midiático governista burguês do tal déficit
que não existe.
Terceira
entrada no passado. A PEC 55/2016. Aprovada em dois turnos na Câmara dos
Deputados, segue ao Senado um dispositivo de classe que golpeia os trabalhadores
com uma verdadeira punhalada. A maioria dos golpistas, incluindo o chefe-mor,
insiste numa retórica de que essa emenda constitucional se trata de um “Novo
Regime Fiscal” e culpa os governos anteriores por terem aumentado os gastos
públicos em proporções maiores que a receita. Afinal, o que muda com essa PEC
da Morte? Vamos ao passado. Em 1983, por meio da Emenda Calmon,
constitucionalmente, o governo federal deveria gastar no mínimo 13% com
educação e os governos estaduais e municipais, e o distrito federal, 25 %. Com
a Constituição de 1988, com Educação o governo federal deve investir no mínimo
15% e os estados, municípios e o distrito federal 25% da receita líquida
corrente; ao passo que com a saúde, o governo federal deve investir no mínimo
18% e os estados, municípios e o distrito federal, 25%. Com a aprovação da PEC,
o Estado fica desobrigado constitucionalmente desse teto mínimo, que, para mim,
já é irrisório, e passa a tomar como referência o valor a ser gasto em 2017 a
partir do que foi orçado em 2016 com correção apenas da inflação do ano
anterior, o que significa congelamento de gastos públicos por vinte anos. Chegaremos
a 2037 com o mesmo orçamento de 2017. Se chegarmos vivos! Na justificativa do
documento, o governo é claro: o descontrole das contas públicas é resultado de
“um crescimento acelerado da despesa pública primária” e aos “gastos com
diversas políticas públicas”, entretanto, não diz que de fato o que se quer é
gerar um superávit primário de trilhões de reais para pagar o serviço da dívida
e alimentar o capital financeiro. Estudiosos vêm fazendo simulações sobre a
possibilidade dessa PEC já está em vigência desde 2006, o salário mínimo
nacional hoje seria em torno de 400 reais. O orçamento da saúde que nesse ano
de 2016 foi de 102 bilhões de reais, cairia para 65 bilhões e o da educação que
em 2016 foi 103 bilhões cairia para 31 bilhões.
Quarta
entrada ao passado. O direito de greve. Sabemos que o STF recentemente aprovou
a legalidade do corte de ponto de grevistas, procurando inviabilizar a greve
geral que vem se desenhando para novembro. Voltemos ao Golpe de 1964. A nova
Lei de Greve (1964) reconhecia o direito de greve limitado a questões
salariais, desde que fosse objeto de votação em Assembleia Geral organizada por
sindicatos controlados pelo Estado (corporativistas) e esgotadas as
possibilidades de negociação; foram proibidas greves de servidores da União,
por motivo ideológico e ocupação de locais de trabalho por grevistas. Não é
mera coincidência. É uma pena que nas universidades encontramos tantos alunos e
professores contrários a greve e, assim, fazem coro com os togados da suprema
corte ou dos mandarins da administração universitária.
Quinta
entrada ao passado. Contra o método de alfabetização de Paulo Freire vieram o
MOBRAL e as disciplina de Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica.
Professores e estudantes combativos foram amordaçados, presos, torturados. Enquanto
os livros da escola mostravam uma visão ufânica e nacionalista do pais do
futebol. Pois bem. Aí está o famigerado projeto “Escola sem Partido”, que na
verdade é a escola do partido do capital e do fundamentalismo religioso
representado pela Bancada da Bíblica. Escola machista, misógina, lgbtfobista,
racista e elitista. E junto a essa escola tecnicista vem a medida provisória
que propõe reformar o ensino médio banalizando a profissão de professor e
oferecendo a contrapartida do “notório saber”, retirando disciplinas como
filosofia, sociologia, artes e educação física e com perda de carga horária de
História e Geografia. Aqui aproveito para tirar meu chapéu para a estudantada
que ocupa escolas, institutos federais e universidades Brasil afora. A luta de
classe encontrou nessa juventude a energia da ação e do destemor. Esses jovens
nem bateram panelas nem seguiram a ponte para o futuro. Ficaram no presente
lutando por outro futuro, por outro Brasil que não este desenhado por William
Boner, comentado por Carlos Alberto Sardenberg e Mirian Leitão e escrito por
Reinaldo Azevedo.
Fomos
ao passado. Encontramos labirintos e caminhos tortuosos. Mas ter consciência
histórica ajuda muito a forma na luta. Por isso, convido todos e todas que
voltemos dessa viagem munidos de conhecimento, vontade e sabedoria a fim de que
possamos parar no presente e construir o futuro. Puxar o freio do trem, para
usar uma metáfora de Walter Benjamin, não se iludir com a ponte do futuro e
correr na sua direção. O caminho da classe trabalhadora é a contrapelo,
realizar os sonhos e projetos do passado, mas também lutar pela manutenção do
patrimônio social que os trabalhadores do passado colocaram em nossas mãos. Se
quisermos deixar um Brasil melhor para nossos filhos e netos temos que ocupar,
ocupar, ocupar... fazer uma grande greve geral, derrubar esse governo e impedir
que o destino do Brasil possa ser conhecido 20 anos antes.